Esta obra-prima da animação carrega a honra de
ser o primeiro desenho animado da história do cinema a receber uma indicação ao
Oscar de Melhor Filme (em 1991, numa época em que as indicações à categoria
principal eram restritas à cinco disputadíssimas vagas!).
No início daquela década, ao mesmo tempo em que
experimentava um renascimento técnico e artístico por meio da simultânea
consagração dos longa-metragens concebidos por sua segunda geração de
animadores –sendo “A Pequena Sereia” o seu divisor de águas –os Estúdios Disney
também já esgotavam a cota de contos de fadas clássicos a serem adaptados. Das
poucas histórias ainda restantes, era o enredo famoso do príncipe tornado
monstro por uma maldição, e que só poderia regressar à forma humana se
conseguisse fazer com que uma jovem se apaixonasse por ele enxergando, não sua
aparência externa, mas sua nobreza e seu bom coração.
E a Disney soube capturar a essência desse
conto com extrema propriedade (como ignorar o arrojo técnico, somado ao amplo
efeito emocional de uma cena inesquecível como a seqüência no salão de dança?).
A construção de seus personagens é primorosa e,
embora todos sejam dignos de nota, é preciso ao menos ressaltar o trio
principal; A Fera é notável em suas ambigüidades. Ele começa agressivo, feroz e
soturno, personificando o monstro vilanesco, mas aos poucos vai desconstruindo
a opinião formada do expectador e manifesta características humanas como a
honradez, a gentileza, a compaixão e (o mais incrível) o medo da rejeição.
A Bela é uma personagem extraordinária em seu
equilíbrio. Uma protagonista forte, ainda que não seja um arquétipo de
panfletagem do empoderamento feminino, ela é vulnerável sem ser a clássica
donzela em perigo, agrega simultaneamente elementos tradicionais das heroínas
da Velha Hollywood à qualidades pulsantes nas protagonistas contemporâneas como
independência de pensamento e opinião.
E, se os protagonistas têm uma atenção toda
particular do roteiro, o antagonista também tem, surgindo, sobretudo, para
enfatizar a própria mensagem da trama; Gaston, o vilão da história pode até
confundir, numa primeira impressão, as crianças mais novas, já que ele possui
todas as características físicas de um príncipe encantado (imagem –ou melhor,
estereótipo –que a própria Disney ajudou a difundir): É bonitão, altivo,
galante, vistoso e forte.
É justamente nessa ambigüidade que a Disney
encontra o grande trunfo da produção, e que diferencia “A Bela e A Fera”, em
termos morais, de tudo que o estúdio fez antes: Gaston tem, sim a aparência de
um príncipe encantado, mas um coração vil, arrogante e rancoroso. É exatamente
o oposto de Fera, que nos cativa, apesar do aspecto bestial, devido ao fato
perene e genial de ostentar um olhar, durante todo o filme, carregado de
ternura.
Uma lição e tanto para as fãs de “Cinderella”,
que cresceram acreditando que seriam felizes para sempre desde que encontrassem
seu príncipe encantado, alheias ao fato do tipo de pessoa que ele poderia ser.
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