Tornado uma minissérie pela Netflix, que o divide em exatos e bem delineados três episódios, este documentário faz a alegria dos fãs de Arnold Schwarzenegger ao dar-lhe voz e oportunidade para contar os inúmeros percalços de sua incomum trajetória de vida. Em ordem relativamente cronológica –e contando, claro, com os providenciais depoimentos de pessoas, algumas famosas, presentes em sua trajetória –o documentário começa na Áustria, onde Arnold relembra a infância na distante localidade de Thal, junto do irmão mais velho, do pai e da mãe, e da sensação incômoda de enxergar-se preso num vilarejo medíocre sem escapatórias. Da convivência com o irmão, Arnold conta que herdou a competitividade, sempre muito incentivada pelo pai, contudo, não tardou ao jovem Arnold vislumbrar uma vida fulgurante fora da Áustria e, para isso, ele dedicou-se, desde muito novo ao fisioculturismo, a despeito da ocasional desaprovação paterna. O primeiro episódio incumbe-se, basicamente, de relatar essa primeira parte da vida de Schwarzenegger; e a forma com que ele tornou-se mundialmente conhecido: Ele conta sobre a primeira vez em que assistiu “Hércules” no cinema, interpretado pelo fisioculturista Reg Park, seu ídolo. O mesmo Reg Park que, anos depois, ele mesmo encontra quando já vivenciava os primeiros passos de sua própria carreira no fisioculturismo; curiosamente, o próprio Arnold interpretaria, anos depois, o mesmo personagem em “Hercules In New York”, numa experiência que ele mesmo confessa ter sido lamentável. Migrando para a América –para onde ele sempre alimentou o sonhou de ir –Arnold passa a treinar com Joe Weider na Califórnia e, a medida que avança a década de 1960 e a de 70, seu status e sua fama como fisioculturista vão crescendo a ponto dele vencer treze competições seguidas!
No segundo episódio, talvez o mais
significativo para muitos dos expectadores de Schwarzenegger, ele revela que,
como fisioculturista, havia sentido que chegara no limite –não haviam mais
metas a serem superadas e ele queria mais. Foi seu fascínio pelo cinema, e a
vontade de lá sagrar-se um astro que o atraiu aos filmes. No entanto, como é
comum acontecer, ele enfrentou oposições e dificuldades. Muitos foram os que
implicaram com seu sotaque austríaco, de difícil entendimento (ele logo foi
atrás de aulas de atuação e dicção), com seu físico avantajado, inapropriado
para protagonistas identificáveis com o público de então, e com seu perfil,
nada relacionado ao de John Wayne (ainda o astro de cinema por excelência
daqueles tempos, fim dos anos 1970), além da sempre ranzinza reprovação da
crítica.
Foi pouco a pouco, projeto a projeto, que
Arnold foi vencendo essas barreiras: Primeiro com o filme “Stay Hungry”,
dirigido por Bob Rafelson, com Jeff Bridges (hoje raríssimo), num protagonista
escrito especialmente para um fisioculturista, depois com o documentário “O
Homem dos Músculos de Aço” e então, já na década de 1980, com o protagonista do
épico “Conan-O Bárbaro” no qual, embora tenha inicialmente desagradado o
produtor Dino DeLaurentis, teve a sorte de contar com o apoio irrestrito do
diretor John Milius.
Em 1984, ao ter, junto do diretor James
Cameron, a inspiração iluminada para interpretar o andróide antagonista de “O Exterminador do Futuro” –a ideia inicial era Arnold interpretar o herói, Kyle
Reese –Schwarzenegger ingressou definitivamente no cinema, no mesmo período em
que desposou sua namorada, Maria Shriver, membro da Família Kennedy.
As produções seguintes refletiram, em grande
medida, uma curiosa rivalidade com outro astro do período, Sylvester Stallone
(cuja vida foi retratada, por sua vez, no documentário “Sly”). Foi graças à
presença desse adversário, Arnold reconhece, que ele empenhou-se em filmes que,
com o tempo, passaram a redefinir o cinema comercial norte-americano do
período: “O Predador” –premissa nascida de um comentário em Hollywood segundo o
qual “Rocky” haveria de lutar contra algum alienígena num projeto vindouro ;
“Irmãos Gêmeos” –ideia surgida de um encontro com o diretor Ivan Reitman, onde
Arnold almejou, por meio de uma comédia, atender novas demandas de seu público;
e, já nos anos 1990, “Exterminador do Futuro 2”, quando testemunhamos um comentário
profético de uma apresentadora de TV da época ao afirmar que, ao interpretar um
andróide ‘do bem’ nessa continuação, Arnold parecia estar de olho numa provável
carreira política (!).
A década de 1990, ainda trouxe o eventual
fracasso de “O Último Grande Herói”, o que levou Arnold a correr atrás do
prejuízo com as realizações de “True Lies” –refilmagem do filme francês “La
Totale” que ele mesmo recomendou à James Cameron –e a comédia “Júnior”.
Contudo, já ao fim da década de 1990 (e tendo passado por uma cirurgia cardíaca
que o deixou um ano sem filmar), Arnold entregou uma série de produções
genéricas, ainda que indicativas de seu status
inconteste de astro cinematográfico –o terror “Fim dos Dias”, e as produções de
ação “Efeito Colateral” e “O 4º Dia”.
Como no fisioculturismo duas décadas antes,
Arnold sentia que havia chegado num auge profissional e que nada restava a ele,
exceto se repetir. Era o momento de seguir em direção à outro desafio, outra
jornada.
É assim que, no terceiro episódio, testemunhamos
Arnold Schwarzenegger se lançar numa das mais arrojadas manobras de sua
carreira e de sua vida: A candidatura para governador do estado da Califórnia.
Ainda no turbilhão da divulgação de “Exterminador do Futuro 3-A Ascensão das
Máquinas”, ele é assaltado por eventuais impressões acerca de sua capacidade
para fazer a diferença no estado das coisas, sobretudo, na catastrófica
administração do então governador Gray Davis, alvo de um descontentamento tal
entre os eleitores que estava em votação a sua remoção do cargo. Diante de uma
certa apreensão da parte de sua esposa –afetada, afinal, pela trágica
trajetória política que perseguiu praticamente todos os membros de sua família
–Arnold confirma sua candidatura em rede nacional, no programa do entrevistador
Jay Leno, e dá início à um circo caótico e midiático que se estenderia pelo ano
de 2003. Eleito governador (mesmo diante de uma súbita polêmica envolvendo
denúncias de assédio sexual ocorrido décadas antes desenterradas pelo The Times), Arnold enfrenta altos e
baixos na sua administração enquanto tenta (e muitas vezes consegue) implantar
políticas de reformulação, leis tributárias empacadas no senado (impulsionadas
por um esforço inédito de colher assinaturas dos contribuintes), conciliar
equipes antagônicas de membros democratas e republicanos, e conter (entre
outros contratempos) os terríveis incêndios de Los Angeles em outubro de 2007,
quando foi decretado estado de emergência em sete municípios.
No decurso desse período como governador
–durante o qual experimentou uma reeleição –ele também teve seu casamento com
Maria Shriver desfeito pela descoberta de uma infidelidade com uma governanta,
anos antes, da qual o fruto foi seu filho, Joseph Baena. Arnold não se furta de
comentar, lamentar e pedir desculpas por essa passagem em sua vida, embora não
deixe de reiterar o amor pelo filho e por toda sua família.
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