quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Arnold


 Tornado uma minissérie pela Netflix, que o divide em exatos e bem delineados três episódios, este documentário faz a alegria dos fãs de Arnold Schwarzenegger ao dar-lhe voz e oportunidade para contar os inúmeros percalços de sua incomum trajetória de vida. Em ordem relativamente cronológica –e contando, claro, com os providenciais depoimentos de pessoas, algumas famosas, presentes em sua trajetória –o documentário começa na Áustria, onde Arnold relembra a infância na distante localidade de Thal, junto do irmão mais velho, do pai e da mãe, e da sensação incômoda de enxergar-se preso num vilarejo medíocre sem escapatórias. Da convivência com o irmão, Arnold conta que herdou a competitividade, sempre muito incentivada pelo pai, contudo, não tardou ao jovem Arnold vislumbrar uma vida fulgurante fora da Áustria e, para isso, ele dedicou-se, desde muito novo ao fisioculturismo, a despeito da ocasional desaprovação paterna. O primeiro episódio incumbe-se, basicamente, de relatar essa primeira parte da vida de Schwarzenegger; e a forma com que ele tornou-se mundialmente conhecido: Ele conta sobre a primeira vez em que assistiu “Hércules” no cinema, interpretado pelo fisioculturista Reg Park, seu ídolo. O mesmo Reg Park que, anos depois, ele mesmo encontra quando já vivenciava os primeiros passos de sua própria carreira no fisioculturismo; curiosamente, o próprio Arnold interpretaria, anos depois, o mesmo personagem em “Hercules In New York”, numa experiência que ele mesmo confessa ter sido lamentável. Migrando para a América –para onde ele sempre alimentou o sonhou de ir –Arnold passa a treinar com Joe Weider na Califórnia e, a medida que avança a década de 1960 e a de 70, seu status e sua fama como fisioculturista vão crescendo a ponto dele vencer treze competições seguidas!

No segundo episódio, talvez o mais significativo para muitos dos expectadores de Schwarzenegger, ele revela que, como fisioculturista, havia sentido que chegara no limite –não haviam mais metas a serem superadas e ele queria mais. Foi seu fascínio pelo cinema, e a vontade de lá sagrar-se um astro que o atraiu aos filmes. No entanto, como é comum acontecer, ele enfrentou oposições e dificuldades. Muitos foram os que implicaram com seu sotaque austríaco, de difícil entendimento (ele logo foi atrás de aulas de atuação e dicção), com seu físico avantajado, inapropriado para protagonistas identificáveis com o público de então, e com seu perfil, nada relacionado ao de John Wayne (ainda o astro de cinema por excelência daqueles tempos, fim dos anos 1970), além da sempre ranzinza reprovação da crítica.

Foi pouco a pouco, projeto a projeto, que Arnold foi vencendo essas barreiras: Primeiro com o filme “Stay Hungry”, dirigido por Bob Rafelson, com Jeff Bridges (hoje raríssimo), num protagonista escrito especialmente para um fisioculturista, depois com o documentário “O Homem dos Músculos de Aço” e então, já na década de 1980, com o protagonista do épico “Conan-O Bárbaro” no qual, embora tenha inicialmente desagradado o produtor Dino DeLaurentis, teve a sorte de contar com o apoio irrestrito do diretor John Milius.

Em 1984, ao ter, junto do diretor James Cameron, a inspiração iluminada para interpretar o andróide antagonista de “O Exterminador do Futuro” –a ideia inicial era Arnold interpretar o herói, Kyle Reese –Schwarzenegger ingressou definitivamente no cinema, no mesmo período em que desposou sua namorada, Maria Shriver, membro da Família Kennedy.

As produções seguintes refletiram, em grande medida, uma curiosa rivalidade com outro astro do período, Sylvester Stallone (cuja vida foi retratada, por sua vez, no documentário “Sly”). Foi graças à presença desse adversário, Arnold reconhece, que ele empenhou-se em filmes que, com o tempo, passaram a redefinir o cinema comercial norte-americano do período: “O Predador” –premissa nascida de um comentário em Hollywood segundo o qual “Rocky” haveria de lutar contra algum alienígena num projeto vindouro ; “Irmãos Gêmeos” –ideia surgida de um encontro com o diretor Ivan Reitman, onde Arnold almejou, por meio de uma comédia, atender novas demandas de seu público; e, já nos anos 1990, “Exterminador do Futuro 2”, quando testemunhamos um comentário profético de uma apresentadora de TV da época ao afirmar que, ao interpretar um andróide ‘do bem’ nessa continuação, Arnold parecia estar de olho numa provável carreira política (!).

A década de 1990, ainda trouxe o eventual fracasso de “O Último Grande Herói”, o que levou Arnold a correr atrás do prejuízo com as realizações de “True Lies” –refilmagem do filme francês “La Totale” que ele mesmo recomendou à James Cameron –e a comédia “Júnior”. Contudo, já ao fim da década de 1990 (e tendo passado por uma cirurgia cardíaca que o deixou um ano sem filmar), Arnold entregou uma série de produções genéricas, ainda que indicativas de seu status inconteste de astro cinematográfico –o terror “Fim dos Dias”, e as produções de ação “Efeito Colateral” e “O 4º Dia”.

Como no fisioculturismo duas décadas antes, Arnold sentia que havia chegado num auge profissional e que nada restava a ele, exceto se repetir. Era o momento de seguir em direção à outro desafio, outra jornada.

É assim que, no terceiro episódio, testemunhamos Arnold Schwarzenegger se lançar numa das mais arrojadas manobras de sua carreira e de sua vida: A candidatura para governador do estado da Califórnia. Ainda no turbilhão da divulgação de “Exterminador do Futuro 3-A Ascensão das Máquinas”, ele é assaltado por eventuais impressões acerca de sua capacidade para fazer a diferença no estado das coisas, sobretudo, na catastrófica administração do então governador Gray Davis, alvo de um descontentamento tal entre os eleitores que estava em votação a sua remoção do cargo. Diante de uma certa apreensão da parte de sua esposa –afetada, afinal, pela trágica trajetória política que perseguiu praticamente todos os membros de sua família –Arnold confirma sua candidatura em rede nacional, no programa do entrevistador Jay Leno, e dá início à um circo caótico e midiático que se estenderia pelo ano de 2003. Eleito governador (mesmo diante de uma súbita polêmica envolvendo denúncias de assédio sexual ocorrido décadas antes desenterradas pelo The Times), Arnold enfrenta altos e baixos na sua administração enquanto tenta (e muitas vezes consegue) implantar políticas de reformulação, leis tributárias empacadas no senado (impulsionadas por um esforço inédito de colher assinaturas dos contribuintes), conciliar equipes antagônicas de membros democratas e republicanos, e conter (entre outros contratempos) os terríveis incêndios de Los Angeles em outubro de 2007, quando foi decretado estado de emergência em sete municípios.

No decurso desse período como governador –durante o qual experimentou uma reeleição –ele também teve seu casamento com Maria Shriver desfeito pela descoberta de uma infidelidade com uma governanta, anos antes, da qual o fruto foi seu filho, Joseph Baena. Arnold não se furta de comentar, lamentar e pedir desculpas por essa passagem em sua vida, embora não deixe de reiterar o amor pelo filho e por toda sua família.

“Arnold” é um documentário bastante lúcido e explicativo acerca da espetacular jornada de vida desse astro formidável do entretenimento, e suas incisivas considerações do alto de seus 75 anos de vida. Até pela personalidade pouco afeita à dramatizações de seu biografado, é uma obra cheia de objetividade e clareza (o documentário sobre Stallone, por exemplo, reserva mais emoção e melancolia ao expectador), ainda que vez outra, se permita algumas pequenas omissões em aspectos mais espinhosos de sua história.

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