segunda-feira, 2 de outubro de 2017

O Vencedor

Um dos mais belos momentos deste “O Vencedor” é quando o personagem de Christian Bale, envergonhado de ser flagrado consumindo drogas por sua mãe, vivida por Melissa Leo, resolve, em sua atávica perplexidade, quebrar o incômodo silêncio que se segue dentro do carro e começa a cantar “I Started A Joke”, dos Bee Gees.
Um momento belo, inesperado e contagiante, e ainda bastante indicativo da inclinação autoral de seu realizador: A grande constante em toda a carreira do diretor e roteirista David O’ Russell foi o seu imenso apreço por seus personagens. Sejam eles saídos da ficção ou da realidade, eles sempre recebiam um cuidado todo especial da parte do realizador, fosse na maneira criteriosa e carinhosa com que eram escritos, ou no zelo singular com que era confiado à um intérprete.
“O Vencedor”, ao mesmo tempo que continua sendo, talvez, o seu melhor trabalho (com a possível rivalidade do ótimo “Trapaça”), é também aquele onde melhor se evidencia essas características.
Saindo de uma seqüência um tanto irregular (contudo, coerente com um certo estilo) de comédias bastante insanas (como “Procurando Encrenca”, “Três Reis” –que não deixa de ser uma comédia ambientada na Guerra do Golfo –e “Huckabess-A Vida É Uma Comédia”), O’ Russell trouxe de volta o ator de seus dois últimos trabalhos, Mark Whalberg, para juntos contarem a história de Micky Ward, lutador dos pesos-médios, em fase indefinida da carreira, que passa por uma tentativa de se reerguer após uma série de constrangedoras derrotas. No entanto, a influência negativa de sua família o atrapalha, sobretudo seu irmão (Christian Bale, em estado de graça), ex-lutador e viciado em crack, que o treina com o desleixo e o descuido típicos dos dependentes químicos, e sua mãe beligerante e sufocante (a ótima Melissa Leo), habituada a colocar interesses mesquinhos à frente dos demais.
Tudo parece dar um sinal de mudança quando ele se apaixona por uma jovem garçonete (Amy Adams, maravilhosa).
Com este notável trabalho, o diretor O' Russell parece menos interessado em fazer um filme sobre o pugilismo e muito mais em mostrar, na trajetória de sua narrativa, como os seus personagens vão muito além dos rótulos que a primeira impressão atribui a eles –o quê era o mínimo que poderia, afinal, se esperar dele como realizador.
Ganham, com isso o público (presenteado com um filme vibrante e saboroso), o próprio O’ Russell (que a partir desta produção iniciou uma aclamada sucessão de grandes trabalhos que o colocaram simultaneamente entre os indicados ao Oscar, ano a ano) e os próprios personagens (desempenhados pelo formidável elenco coadjuvante que inclui a indicada ao Oscar de Coadjuvante, Amy Adams, como também a própria ganhadora do prêmio, Melissa Leo e o responsável pelo grande show de interpretação do filme, o visceral Christian Bale, também ele ganhador do Oscar).

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