Desde o princípio já se percebe alguma
instabilidade da parte de Gabrielle, a protagonista interpretada com a nuance e
a propriedade costumeiras por Marion Cotillard. Acompanhamos ela em uma viagem
ao lado do marido (Alex Brendemühl) e do filho para outra cidade onde o jovem
se apresentará num concerto de piano. Ao passar numa determinada rua, ela
enxerga uma placa que lhe desperta instintos do passado e os deixa seguir
sozinhos para procurar por alguém.
Mais tarde, descobriremos ser bastante austero,
da parte da narrativa, iniciar nesse momento o flashback que resgatará todo o
filme.
Descobrimos então que Gabrielle –a despeito da
beleza e do encanto inerentes que Marion Cotillard empresta involuntariamente à
ela –era uma moça solitária e infeliz numa remota aldeia da França. Seus
impulsos sexuais, inicialmente dirigidos à um professor comprometido, se
mostram tão irreprimíveis que a levam a cometer alguns atos de precipitada
loucura, fonte de preocupação da mãe (Brigitte Roüan). Como costumava ser comum
naquela época (a transição dos anos 1950 para os 60), ele logo resolve
providenciar um casamento arranjado para a filha. O escolhido é o carpinteiro
taciturno, porém responsável, José (papel que Brendemühl desempenha com sólida
dignidade).
Embora o aceite, o casamento com ele, para
Gabrielle, passa longe de qualquer felicidade ou satisfação.
A vida segue quando eles, casados, passam a
viver em outra cidade. Até que Gabrielle tem um aborto devido à complicações
médicas. Ela é enviada então à uma clínica a fim de realizar um tratamento que
cure sua Doença de Pedras –em francês, Mal de Pierres, o título original do
filme –e lá, nos dias que seguem, conhece outro paciente, o jovem militar
enfermo André Sauvage (Louis Garrel, de “Os Sonhadores”), por quem passa a
nutrir uma crescente atração.
Ele desaparece de sua vida tão logo ela encerra
o tratamento naquela clínica, mas os encontros fortuitos que teve com ele irão
interferir na paz de seu casamento nos anos vindouros –desembocando, inclusive,
na cena do começo, em que essas lembranças serão suscitadas, reavaliadas e
levarão a uma nova verdade acerca de seu passado.
Aos poucos é possível entender o imenso cuidado
com que a diretora Nicole Garcia molda, com uma sensibilidade toda feminina,
essa trama sobre a urgência de desejos que levam a um descontrole da mente.
Como sua narrativa é, sem que notemos de imediato, todo um flashback subjetivo
da parte da instável protagonista, ela se constrói a partir de impressões que
vão compor algumas surpresas inesperadas para o público e para a própria personagem,
mas que, dada a natureza do filme, fazem todo o sentido.
Curioso é notar que, embora
tenha declarado algumas vezes que detesta fazer cenas de sexo em seus filmes,
Marion Cotillard tem várias delas em seu currículo –e aqui não é diferente! Não
há, entretanto, nada de gratuito ou apelativo na cena em questão: É, inclusive,
uma das cenas de sexo mais belamente filmadas no cinema recente, pertinente à
história, visualmente deslumbrante e reveladora, nem tanto do belíssimo corpo
da atriz, como das carências de sua personagem.
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