Ganhador do prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes 2024, “The Substance”, dirigido por Coralie Fargeat. É um exercício notável de fôlego narrativo, uma demonstração bastante impressionante de coragem da estrela Demi Moore, e uma revelação e tanto da jovem e promissora Margaret Qualley (de “Era Uma Vez Em Hollywood”), ela que é filha da também atriz Andie MacDowell.
“The Substance” começa acompanhando o estrelato
já decadente de Elisabeth Sparkle (Demi Moore abraçando todas as
vulnerabilidades extremas da personagem e de si mesma), cuja fama
popularizou-se através de programas de ginástica aeróbica –numa nada lisonjeira
referência à Jane Fonda. Contudo, o tempo passou e, em seu aniversário de 50
anos, Elisabeth descobre que os produtores não a querem mais. Eles querem
alguém mais jovem. Ao dar entrada num hospital após um acidente de carro,
Elisabeth recebe a recomendação em um pendrive
(!), de um método enigmático e, ao que tudo indica, bastante experimental que
promete proporcionar-lhe juventude; mais que isso, promete-lhe um novo “eu”!
Elisabeth não interage com ninguém, não negocia
com ninguém (salvo sinistras conversas por telefone com um interlocutor soturno
e impessoal), no entanto, é conduzida a um depósito onde recebe o material
necessário para o seu ‘procedimento’: Uma seringa contendo a chamada ‘Substância’
que ela injeta em si mesma para, na sequência, experimentar uma mutação
inacreditável –Elizabeth se duplica (!), gerando a partir de si mesma, uma
versão mais jovem (vivida com esplendor pleno e consciente por Margaret Qualley
que não nega fogo em nenhuma das generosas cenas de nudez). Essa nova versão,
chamada Sue, logo galga os degraus da fama e assume o lugar na ribalta que
antes pertencera à Elisabeth, fazendo sucesso entre o público e os produtores.
Entretanto, o atalho para o que se deseja cobra
alguns sacrifícios impronunciáveis. De cada sete em sete dias, Sue e Elisabeth
precisam trocar de corpo –enquanto um é ocupado pela mente, o outro permanece
inanimado no chão do banheiro –e, durante o tempo em que é Sue, o corpo mais
jovem precisa de injeções de um soro produzido pelo corpo de Elisabeth para não
entrar em colapso. O problema é que as demandas da fama –e um tanto da empolgação
juvenil que a consome –vão cobrando de Sue mais do que os meros sete dias que o
procedimento exige. E cada hora na qual acaba sendo mais Sue do que Elisabeth,
leva o corpo mais velho a se deteriorar terrivelmente. Com o tempo, na verdade,
a própria Sue vai desenvolvendo uma personalidade competitiva para com
Elisabeth, a despeito do interlocutor ao celular afirmar que elas são uma só, e
nessa espécie de rixa, Sue e Elisabeth poderão fazer cada vez mais mal uma à
outra.
Três são as influências que o filme primorosamente
perturbador de Coralie Fargeat mais ostenta: A primeira é “O Retrato de Dorian
Gray”, sobretudo, na premissa onde uma personagem confronta o próprio definhar
da vida com métodos mirabolantes –repare que há, por sinal, um quadro da
própria Elisabeth que vai, também ele, adquirindo sinais de deterioração ao
longo do filme: a segunda influência é o mestre Stanley Kubrick, ela surge em
elementos como a simetria da narrativa, o personagem desprezível do produtor de
TV (interpretado magnificamente por Dennis Quaid, em trejeitos que remetem
imediatamente ao Malcolm McDowell de “Laranja Mecânica”), no fato da trama
gradualmente avançar por meio de cenas predominantes em banheiros (um deles, o
da emissora de TV, lembra completamente a estética do banheiro de “O Iluminado”)
e na menção à trilha sonora de “2001-Uma Odisséia No Espaço” durante a absurda
e grotesca sequência clímax; e a terceira influência vem a ser David Cronenberg
e seu terror fisiológico, onde mutações tão imprevisíveis quanto assombrosas
desumanizam seus personagens sempre através da manutenção de suas neuroses.
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