terça-feira, 19 de março de 2019

A Noiva Ensanguentada

Do início ao fim, o filme do diretor Vicente Aranda (de “O Amante Bilíngue”, com Ornella Muti) propõe a desconstrução do matrimônio por meio de gatilhos sobrenaturais que podem ou não ter natureza alegórica.
A ninfeta Susan (Maribel Martin, digna de um filme de David Hamilton) casa-se com um homem evidentemente mais velho (Simon Andreu) e junto dele parte para as núpcias num hotel.
Lá, ela é aparentemente estuprada –numa cena tratada com tanta displicência pela narrativa que parece, depois, ter sido pouco mais que uma alucinação. Real ou não, é o bastante para ele querer sair dali o quanto antes. O casal vai assim para a propriedade da família dele, onde Susan é perseguida por uma aparição insistente: Uma loira de notável beleza trajada de um vestido roxo e esvoaçante.
Essa loira (a estonteante Alexandra Bastedo), ela descobre, vem a ser Carmilla, uma antepassada de seu marido, renegada pela família devido ao seu papel central numa maldição (foi achada, em plena lua de mel, ao lado do cadáver do marido e enlameada de seu sangue!).
A própria Alexandra Bastedo interpreta também, Mircalla, que é encontrada mais tarde numa praia deserta, perdida e desorientada. Levada para a mansão, ela intriga Susan que, por sua semelhança com Carmilla e pela sedução que ela exala, passa a ser controlada por ela.
A dinâmica entre as duas e a atmosfera surreal dali acarretada leva aos desenlaces mais intensos deste filme cuja inspiração, o romance gótico “Carmilla”, de Sheridan Le Fanu (uma das mais influentes histórias literárias de vampiros), é aproveitada na plenitude de seu potencial lésbico –ainda que, nesse sentido, o sugerido pese mais que o explícito.
Deveras, o diretor parece hesitante em revelar o filme de vampiro que seu trabalho é –quando o faz, à luz de inevitáveis impasses narrativos, ele oscila entre a elegância de pouco mostrar e a euforia de escancarar recursos cênicos. Essa bipolaridade nunca deixa claro que tipo de filme Aranda deseja fazer: Um conto macabro de expedientes sobrenaturais habituais do período? Um suspense sensual onde as nuances de relacionamentos têm tanto peso quanto seus fatores fantásticos? Ou um filme tão pretensamente enigmático em sua indefinição de gênero que acaba, por muito pouco, quase não tendo gênero algum?
O saldo final acaba sendo um pouco de tudo isso ainda que, graças a suas duas espetaculares protagonistas, ele consiga se manter envolvente, mesmo diante de sua incômoda indecisão.

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