A fina ironia tão característica dos Irmãos
Coen comparece com seu habitual primor nesta produção da Netflix que reúne
alguns de seus mais idiossincráticos elementos.
Como em “Bravura Indômita”, estamos aqui diante
de um western –e na abordagem do gênero que visitam, os Coen o evocam de forma
tão romântica quanto sarcástica –como em “E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?”, a
narrativa se revela pontuada de música –que, no episódio inicial,
ocasionalmente é cantada pelos próprios personagens –e como em praticamente
todos os filmes sob sua assinatura, este aqui recebe dos Coen um tratamento
primordial no qual a sina inapelável dos incautos seres humanos escolhidos para
serem seus protagonistas ganha tanto em humor negro quanto em drama humano.
No primeiro dos seis formidáveis episódios que
constituem este filme, acompanhamos a inusitada figura de Buster Scruggs que
não somente dá nome ao filme, mas também oferece ao sensacional Tim Blake
Nelson a chance de se mostrar um intérprete singular.
Scruggs singra o velho oeste americano ciente
da fama de perigoso pistoleiro que construiu –e declamando essas circunstâncias
em canções cantadas a céu aberto. Onde chega, porém, não é temor que Buster
Scruggs suscita: Por seus trejeitos afáveis, seu modo de falar pitoresco e suas
roupas caricatas e espalhafatosas –aspectos tornados impagáveis na atuação
magnífica de Blake Nelson –ele só inspira petulância em seus desafetos; que ele
enfileira, na forma de um cadáver após o outro!
Mas, como ele próprio canta na assombrosamente
linda canção que encerra o episódio, há um final para tudo, e mesmo o
pistoleiro mais ágil encontra, um dia, alguém com o gatilho mais rápido que o
seu; e mesmo a voz mais bela, uma hora ou outra, há de encontrar uma cuja
afinação a supere.
Interpretado por James Franco, o assaltante de
bancos que protagoniza o segundo episódio experimenta uma sucessão de
infortúnios tão bizarros que só poderiam vir mesmo da imaginação dos Coen:
Capturado –por um estranho adversário revestido de panelas (?!) –ele é colocado
à sombra de uma árvore para ser enforcado. Na hora H, seus algozes são mortos
por índios que aparecem tão rapidamente quanto somem, deixando-o com a corda
presa no pescoço, montado num cavalo que pode caminhar a qualquer momento
–lembra muito a cena que inicia o filme “Maverick”, com Mel Gibson.
O terceiro episódio traz uma dose de intimismo
e angústia com a qual volta e meia os Coen surpreendem o público. Liam Neeson é
um dos dois membros de um pequeno espetáculo itinerante que singra os ambientes
desolados do Oeste.
Entre aldeias gélidas –seja no clima, seja na
receptividade social –e lugarejos angustiantes e angustiados, ele e um aleijado
desprovido de braços e pernas (Harry Melling) apresentam sempre o mesmo
monólogo –que a cada apresentação extrai menos moedas de seus expectadores.
O Velho Oeste mostrado não como o palco para
tiroteios honrados e climáticos, mas como um mundo habitado por pessoas
submetidas às mais terríveis e implacáveis privações, é o mote deste episódio:
O personagem de Neeson aos poucos se ressente da situação de enfermeiro
particular em circunstâncias para lá de adversas –e que chegam a lembrar um
pouco “Monstros”, de Todd Browning –até que uma galinha adestrada o faz
descobrir um modo mais simples de ganhar a vida; para azar do pobre aleijado...
Tom Waits é o protagonista do episódio
seguinte, sobre um mineiro que se estabelece num vale até então harmonioso e
livre da intervenção do homem. Seu objetivo é achar um veio de ouro puro que,
por meio de seus metódicos conhecimentos de mineração, ele será capaz de encontrar
através do rio local.
Os Coen, no entanto, reservam uma cruel e
sarcástica guinada perto do final.
O quinto episódio acompanha a desafortunada
vida da jovem Alice Longabaugh (a bela Zoe Kazan, na mais expressiva personagem
feminina de todo o filme). Arrastada pelo malsucedido irmão para um iminente
casamento arranjado como parte de seus negócios duvidosos, ela vai parar numa
caravana –no melhor estilo “Cimarron” –em direção ao Oeste Selvagem.
Entretanto, o irmão dele morre de cólera durante a penosa viagem deixando-a em
maus lençóis: Sem ideia de como pagar o empregado contratado, de como cuidar do
cachorrinho dele, o irritante Presidente Pierce (!), e basicamente sem ter onde
ficar após terminada a longa viagem.
O destino sinaliza com alguma boa-venturança quando
ela cai nas graças de Billy Knapp (Bill Heck), braço-direito do capitão da caravana
(Grainger Hines).
A narrativa pitoresca e contida dos Coen
constrói pacientemente um ensejo de relacionamento a brotar com espontaneidade
entre a brutalidade que vinham retratando, só para desferir um soco na cara
–recheado de ironia cruel –perto de seu desfecho.
O sexto e último episódio remete à “No Tempo
das Diligências”, de John Ford, e de certa forma, também à “Os Oito Odiados”,
de Quentin Tarantino. Ele se ambienta quase todo dentro de uma diligência
designada a não parar por nada até chegar ao seu destino –no que pode ser
enxergada como uma metáfora aberta a inúmeras intepretações.
Os cinco ocupantes lá dentro são pessoas de
classes sociais tão distintas quanto o são seus aspectos, suas prosas e suas
personalidades: Há o matuto falastrão (Chelcie Ross) de tão pouca experiência
na interação social que mal se dá conta do quão tediosa e inconveniente é sua conversa;
a senhora abastada (Tyne Daily) de modos mais perdulários que sua condição
financeira permite; e o apostador inveterado (Saul Rubinek, de “Os Imperdoáveis”) cujo cinismo só não é maior que a covardia.
Em meio à conversação desnorteada e com
frequência desregrada, os três não se dão conta de que os outros dois
passageiros (Jonjo O’ Neil e Brendan Gleeson), bem mais comedidos e calados,
são na realidade assassinos de aluguel –e se há algo, na concepção dos Coen,
que iguala todos os seres humanos numa mesma manada de indivíduos assombrados é
o medo da morte.
Dando a cada um desses
notáveis episódios uma unidade narrativa que os torna únicos, os Irmãos Coen
constroem uma antologia brilhante, áspera, árida e bem-humorada (apesar de
tudo) da difícil vida no Oeste.
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