quinta-feira, 20 de abril de 2017

Monstros

São vários os fatores que criam um cult-movie. Em geral, uma origem de natureza incomum, ou às vezes até mesmo o repúdio com que é recebido, por diversas razões, em seu lançamento e que, pelas mesmas razões, acaba interessando a uma nova geração de expectadores. São esses basicamente os dois maiores motivos para o culto em torno de “Monstros”, a obra maldita de Todd Browning (que dirigiu o “Drácula” de Bela Lugosi).
De uma simplicidade poderosa, “Monstros” inicia sua trama com um apresentador comunicando à uma platéia uma suposta monstruosidade que não é, ainda, revelada. A narrativa logo realiza um flashback bastante ingênuo, focando no cotidiano dos habitantes de um circo, muitos dos quais respondem por aberrações da natureza, anões e pessoas deformadas, todos, em geral, vítimas da discriminação e do preconceito dos demais integrantes do circo.
É quando a maioria dos personagens é apresentada. Passeamos por várias situações paralelas: Hércules (Henry Victor) o prepotente e arrogante homem-forte do circo termina com sua namorada, a bela Venus (Leila Hyams), e esta, farta do mau-caratismo, dele acaba nos braços do amigável palhaço, Phroso (Wallace Ford); há também o irônico caso do homem gago que se casa com uma das gêmeas siamesas, ao mesmo tempo em que não consegue suportar sua cunhada que efetivamente passará a vida inteira grudada à sua esposa (!), ainda assim, eles se comportam de forma displicente e indiferente a esse detalhe. Mas, a trama que vai ganhando cada vez mais importância na narrativa é a que envolve o ingênuo anão Hans (Harry Earles) que, cego de amor pela trapezista Cleópatra (Olga Baclanova), não consegue enxergar que ela o engana, apenas para rir às suas costas com seu novo namorado secreto, justamente o inescrupuloso Hércules, assim como não percebe também o amor verdadeiro que a anã Frieda (Daisy Earles) nutre por ele.
Os planos de Cleópatra se tornam mais ambiciosos, e mais sórdidos, quando ela descobre que Hans é herdeiro de uma fortuna de milhões: Ela planeja casar-se com ele para então, com a cumplicidade de seu amante, matá-lo.
Mas, o próprio preconceito de Cleópatra a trai e as aberrações acabam por dar seu devido troco à ela –o quê termina explicando o prólogo com um epílogo revelador do destino horripilante reservado à Cleópatra.
Datado, encenado com diversos recursos (estéticos, narrativos e interpretativos) que remetem à técnica do cinema mudo (é um filme falado de 1932), “Monstros” não apenas é uma produção muito mais comentada do que de fato vista como sua fama de ser uma obra perturbadora muito pouco se concretiza nas revisões atuais –é, sim, um filme inocente, lírico até na forma com que expõe a lealdade entre os “freaks” e o castigo que é reservado aos desonestos. Na realidade, um dos alardeados finais alternativos (devido aos cortes impostos pelo estúdio o filme teve vários) até sugere uma sucessão de cenas mais gráficas em seu clímax –e que, talvez, tornassem a experiência mais interessante ao mesmo tempo pendendo mais para o gênero de terror –embora sejam justamente essas as cenas mais difíceis de serem achadas –e não são consideradas parte da ‘versão oficial’.
A grande sacada do diretor Browning, e que definiu por assim dizer o caráter de sua produção, foi mesmo a decisão de empregar pessoas com deformidades reais para participar de seu filme, dando a ele um aspecto único e original que até hoje faz com que o filme se sobressaia: Da forma como está, sem as idealizações do ilusionismo cinematográfico, “Monstros” é uma obra ímpar que confronta o expectador com sua sinceridade, seu despojamento e sua incapacidade –por essas mesmas razões –em se acomodar a qualquer gênero.

Nenhum comentário:

Postar um comentário