São vários os fatores que criam um cult-movie.
Em geral, uma origem de natureza incomum, ou às vezes até mesmo o repúdio com
que é recebido, por diversas razões, em seu lançamento e que, pelas mesmas
razões, acaba interessando a uma nova geração de expectadores. São esses
basicamente os dois maiores motivos para o culto em torno de “Monstros”, a obra
maldita de Todd Browning (que dirigiu o “Drácula” de Bela Lugosi).
De uma simplicidade poderosa, “Monstros” inicia
sua trama com um apresentador comunicando à uma platéia uma suposta
monstruosidade que não é, ainda, revelada. A narrativa logo realiza um
flashback bastante ingênuo, focando no cotidiano dos habitantes de um circo,
muitos dos quais respondem por aberrações da natureza, anões e pessoas deformadas,
todos, em geral, vítimas da discriminação e do preconceito dos demais
integrantes do circo.
É quando a maioria dos personagens é
apresentada. Passeamos por várias situações paralelas: Hércules (Henry Victor)
o prepotente e arrogante homem-forte do circo termina com sua namorada, a bela
Venus (Leila Hyams), e esta, farta do mau-caratismo, dele acaba nos braços do
amigável palhaço, Phroso (Wallace Ford); há também o irônico caso do homem gago
que se casa com uma das gêmeas siamesas, ao mesmo tempo em que não consegue
suportar sua cunhada que efetivamente passará a vida inteira grudada à sua
esposa (!), ainda assim, eles se comportam de forma displicente e indiferente a
esse detalhe. Mas, a trama que vai ganhando cada vez mais importância na
narrativa é a que envolve o ingênuo anão Hans (Harry Earles) que, cego de amor
pela trapezista Cleópatra (Olga Baclanova), não consegue enxergar que ela o
engana, apenas para rir às suas costas com seu novo namorado secreto,
justamente o inescrupuloso Hércules, assim como não percebe também o amor
verdadeiro que a anã Frieda (Daisy Earles) nutre por ele.
Os planos de Cleópatra se tornam mais
ambiciosos, e mais sórdidos, quando ela descobre que Hans é herdeiro de uma
fortuna de milhões: Ela planeja casar-se com ele para então, com a cumplicidade
de seu amante, matá-lo.
Mas, o próprio preconceito de Cleópatra a trai
e as aberrações acabam por dar seu devido troco à ela –o quê termina explicando
o prólogo com um epílogo revelador do destino horripilante reservado à
Cleópatra.
Datado, encenado com diversos recursos
(estéticos, narrativos e interpretativos) que remetem à técnica do cinema mudo
(é um filme falado de 1932), “Monstros” não apenas é uma produção muito mais
comentada do que de fato vista como sua fama de ser uma obra perturbadora muito
pouco se concretiza nas revisões atuais –é, sim, um filme inocente, lírico até
na forma com que expõe a lealdade entre os “freaks” e o castigo que é reservado
aos desonestos. Na realidade, um dos alardeados finais alternativos (devido aos
cortes impostos pelo estúdio o filme teve vários) até sugere uma sucessão de
cenas mais gráficas em seu clímax –e que, talvez, tornassem a experiência mais
interessante ao mesmo tempo pendendo mais para o gênero de terror –embora sejam
justamente essas as cenas mais difíceis de serem achadas –e não são
consideradas parte da ‘versão oficial’.
A grande sacada do diretor
Browning, e que definiu por assim dizer o caráter de sua produção, foi mesmo a
decisão de empregar pessoas com deformidades reais para participar de seu
filme, dando a ele um aspecto único e original que até hoje faz com que o filme
se sobressaia: Da forma como está, sem as idealizações do ilusionismo
cinematográfico, “Monstros” é uma obra ímpar que confronta o expectador com sua
sinceridade, seu despojamento e sua incapacidade –por essas mesmas razões –em
se acomodar a qualquer gênero.
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