Nos créditos iniciais deste filme de Sergio
Martino (do ótimo “Torso”), a câmera mostra o casal Oliviero (Luigi Pistilli,
lembrando um jovem James Caan) e Irina (a ruiva e melancólica Anita Strindberg)
num ato desfocado de amor, entretanto, ficará claro, na cena seguinte, que o
matrimônio não é harmonioso: Numa festa algo alternativa, Oliviero se mostra
rude e intratável com ela, enquanto venera a memória da mãe, uma condessa a
quem pertenceu o gato preto que ele tem como bichinho de estimação, e que Irina
mal suporta.
A presença de seus convidados hippies não
impede Oliviero de humilhar e destratar Irina e, na seqüência, forçar ela e a
própria empregada do casal, Brenda, a um interlúdio sexual.
Como em “Torso” há um longo (mas, neste caso,
não tanto) ato inicial até que o filme de gênero como ele é se estabeleça.
O ‘giallo’ como ele é conhecido surge a partir
do momento em que uma das escapadas extraconjugais de Oliviero é assassinada.
Ele se torna o suspeito nº 1 –mais para o expectador e menos para o policia
–embora a própria Irina venha a livrá-lo da acusação mentindo. Sua culpa se
consolida mais quando Brenda aparece morta dentro da própria mansão deles: Sob
o pretexto de que poderá ir preso, Oliviero convence Irina a ajudá-lo a
emparedar o cadáver em sua adega subterrânea; e começa a se estabelecer assim a
engenhosa conexão deste filme com o conto “O Gato Preto”, de Edgar Alan Poe, no
qual Martino livremente se baseou.
A dúvida, o agouro acerca do cadáver que jaz em
sua casa perturba os personagens, especialmente Irina, mas Martino ainda usa os
elementos de que dispõe para afastar sua narrativa da sutileza gótica do conto
de Poe e aproximá-lo da premissa de assassinato febril do ‘giallo’. E seu filme
cresce consideravelmente depois que entra em cena Floriana (vivida pela
deliciosa Edwige Fenech), sobrinha do casal que volta da Europa transformada
numa bela e exuberante mulher. Além de bastante liberal e sexualmente
ambivalente: Ela transa com Irina (!), como o namoradinho da segunda vítima,
Brenda, e com Oliviero.
Assim, sua presença desequilibra a dinâmica tumultuada
e já potencialmente problemática entre Irina e Oliviero, o verdadeiro cerne de
tensão do filme.
O assassino em série, propriamente dito, parece
não ter grande relevância –sua identidade é logo revelada –e Martino prefere
intrigar o expectador com um suspense cujas evoluções da trama reforçam a
máxima de que não se pode confiar em ninguém. Como costuma acometer a muitos
exemplares do sub-gênero, a ânsia por reviravoltas pontuais oferece margem para
consideráveis furos no roteiro –sobretudo, no que tange à revelação final,
forçada e improvável em relação ao filme que vinha sendo desenvolvido, mas
certamente sintomática da aproximação proposital do conto de Poe.
O trabalho de Martino,
contudo, cumpre muito bem a proposta que se espera de um ‘giallo’: Assassinatos
elaborados com despojamento e peculiaridade, uma trama de suspense no limite
entre a sugestão soturna de Alfred Hitchcock e a vulgaridade sangrenta das
produções de terror americanas dos anos 1980, e belíssimas mulheres.
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