terça-feira, 14 de novembro de 2017

O Céu Que Nos Protege

Conseqüência da pressão que certamente Bernardo Bertolucci experimentou depois da consagração obtida junto ao Oscar de seu “O Último Imperador”, esta grande obra intimista travestida de épico é um esforço para manter as características de seu consagrado filme anterior –características estas que, mesmo em “O Último Imperador”, se mostravam desiguais em relação à filmografia de Bertolucci.
Em “O Céu Que Nos Protege”, ele reúne novamente um elenco internacional de escolhas inusitadas e extravagantes –com uma inclinação maior para o alternativo do que para o comercial –conta uma história de elementos biográficos, mas transfigurada de liberdades poéticas (baseada no livro de Paul Bowles que teria construído a trama a partir de um episódio vivido por ele e por sua esposa, Jane), e tempera tudo com o exotismo que descobriu em sua superprodução.
O único ingrediente que parece remeter à fase anterior de Bertolucci é o erotismo.
“O Céu Que Nos Protege” começa com várias cenas documentais nos anos 1930 da cidade de Nova York e seus cidadãos conforme vão sendo exibidos os créditos iniciais. Ao fim dessas cenas, um barco parte da grande metrópole, um barco onde estão os protagonistas.
Essas seqüências ilustram, antes de tudo, as facetas cosmopolitas da civilização que os personagens deixam para trás. O casal Port e Kit Moresby (ele, um compositor numa fase desiludida com sua arte; ela, uma escritora buscando a conciliação entre o mundo e o inconformismo do marido) parte assim, para o Marrocos, e sua história se desenrola nesse ambiente tão distinto do mundo ocidental de onde vieram.
Com eles também está Turner (Campbell Scott), um amigo que parece não perceber a tremenda inconveniência de sua presença naquela jornada.
Port (na atuação niilista e inquisitiva de John Malkovich) padece de um desdém crônico da civilização, e busca um afastamento dela migrando para regiões cada vez mais remotas e longínquas do Saara, levando consigo sua esposa Kit (Debra Winger) e o amigo Turner, que logo dela se tornará amante.
Essa jornada de afastamento os leva à muitos lugares –Tânger, Messad, além das mais distantes localidades –sempre registrados com o habitual esplendor da direção de fotografia de Vittorio Storaro, criteriosa nas modulações de filtros de cores a refletir o estado de espírito dos personagens.
E constantemente às voltas com um rapaz estranho, irrequieto e perdulário (Timothy Spall) e sua mãe intratável e sôfrega (Jill Bennett) –ocasionais lembretes de Bertolucci das patéticas vicissitudes ocidentais.
Imerso em lugarejos mais e mais inacessíveis, Port contrai febre tifóide e apesar dos esforços de Kit, ele morre.
Tomada de uma angústia avassaladora, é Kit quem agora experimentará, sozinha, o mesmo ímpeto de fuga que antes consumia Port: Ela se deixa levar em uma longa viagem deserto afora numa caravana de tuaregues, e termina de certa maneira encontrando o extremo de não-civilização que o marido procurava. Uma vila onde o capitalismo (leia-se, o seu dinheiro) não significa nada, onde a comunicação com os moradores é inexistente (todo esse longo trecho final do filme é, portanto, filmado por Bertolucci com uma ausência plena e admirável de diálogos) e cujos costumes ela não consegue compreender. Mas, é também um local onde ela experimenta o ápice de sua expiação, e também da libertação do sexo.
Um regresso aos instintos mais primitivos do ser humano.
Ao fim, trazida de volta por Turner e pelos funcionários da Embaixada Norte-Americana, Kit retorna ao quarto onde ela e Port se hospedaram no início, somente para compreender em perspectiva o quanto tudo mudou. Ela retorna novamente ao café onde ouviu de Port, também no início, o relato de um sonho onde ele previa a própria morte e reencontra o senhor anônimo que o ouviu interessado –ele é o próprio Paul Bowles que, aqui e ali, Bertolucci coloca como narrador em off: Sua voz encerra com amenidade a jornada de Kit para além do Ocidente, do capitalismo, do mundo moderno e de volta, renovada e viva –desfecho ao qual seu marido infelizmente não conseguiu chegar.

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