Conseqüência da pressão que certamente Bernardo
Bertolucci experimentou depois da consagração obtida junto ao Oscar de seu “O
Último Imperador”, esta grande obra intimista travestida de épico é um esforço
para manter as características de seu consagrado filme anterior
–características estas que, mesmo em “O Último Imperador”, se mostravam
desiguais em relação à filmografia de Bertolucci.
Em “O Céu Que Nos Protege”, ele reúne novamente
um elenco internacional de escolhas inusitadas e extravagantes –com uma
inclinação maior para o alternativo do que para o comercial –conta uma história
de elementos biográficos, mas transfigurada de liberdades poéticas (baseada no
livro de Paul Bowles que teria construído a trama a partir de um episódio vivido
por ele e por sua esposa, Jane), e tempera tudo com o exotismo que descobriu em
sua superprodução.
O único ingrediente que parece remeter à fase
anterior de Bertolucci é o erotismo.
“O Céu Que Nos Protege” começa com várias cenas
documentais nos anos 1930 da cidade de Nova York e seus cidadãos conforme vão
sendo exibidos os créditos iniciais. Ao fim dessas cenas, um barco parte da
grande metrópole, um barco onde estão os protagonistas.
Essas seqüências ilustram, antes de tudo, as
facetas cosmopolitas da civilização que os personagens deixam para trás. O
casal Port e Kit Moresby (ele, um compositor numa fase desiludida com sua arte;
ela, uma escritora buscando a conciliação entre o mundo e o inconformismo do
marido) parte assim, para o Marrocos, e sua história se desenrola nesse
ambiente tão distinto do mundo ocidental de onde vieram.
Com eles também está Turner (Campbell Scott),
um amigo que parece não perceber a tremenda inconveniência de sua presença
naquela jornada.
Port (na atuação niilista e inquisitiva de John
Malkovich) padece de um desdém crônico da civilização, e busca um afastamento
dela migrando para regiões cada vez mais remotas e longínquas do Saara, levando
consigo sua esposa Kit (Debra Winger) e o amigo Turner, que logo dela se
tornará amante.
Essa jornada de afastamento os leva à muitos
lugares –Tânger, Messad, além das mais distantes localidades –sempre
registrados com o habitual esplendor da direção de fotografia de Vittorio
Storaro, criteriosa nas modulações de filtros de cores a refletir o estado de
espírito dos personagens.
E constantemente às voltas com um rapaz estranho, irrequieto e perdulário (Timothy Spall) e sua mãe intratável e sôfrega (Jill Bennett) –ocasionais lembretes de Bertolucci das patéticas vicissitudes ocidentais.
E constantemente às voltas com um rapaz estranho, irrequieto e perdulário (Timothy Spall) e sua mãe intratável e sôfrega (Jill Bennett) –ocasionais lembretes de Bertolucci das patéticas vicissitudes ocidentais.
Imerso em lugarejos mais e mais inacessíveis,
Port contrai febre tifóide e apesar dos esforços de Kit, ele morre.
Tomada de uma angústia avassaladora, é Kit quem
agora experimentará, sozinha, o mesmo ímpeto de fuga que antes consumia Port:
Ela se deixa levar em uma longa viagem deserto afora numa caravana de
tuaregues, e termina de certa maneira encontrando o extremo de não-civilização
que o marido procurava. Uma vila onde o capitalismo (leia-se, o seu dinheiro)
não significa nada, onde a comunicação com os moradores é inexistente (todo
esse longo trecho final do filme é, portanto, filmado por Bertolucci com uma
ausência plena e admirável de diálogos) e cujos costumes ela não consegue
compreender. Mas, é também um local onde ela experimenta o ápice de sua expiação,
e também da libertação do sexo.
Um regresso aos instintos mais primitivos do
ser humano.
Ao fim, trazida de volta
por Turner e pelos funcionários da Embaixada Norte-Americana, Kit retorna ao
quarto onde ela e Port se hospedaram no início, somente para compreender em
perspectiva o quanto tudo mudou. Ela retorna novamente ao café onde ouviu de
Port, também no início, o relato de um sonho onde ele previa a própria morte e
reencontra o senhor anônimo que o ouviu interessado –ele é o próprio Paul
Bowles que, aqui e ali, Bertolucci coloca como narrador em off: Sua voz encerra
com amenidade a jornada de Kit para além do Ocidente, do capitalismo, do mundo
moderno e de volta, renovada e viva –desfecho ao qual seu marido infelizmente
não conseguiu chegar.
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