terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Eraserhead

David Lynch apronta mais uma das suas em “Eraserhead”. Na verdade, trata-se de seu primeiro trabalho, e já ali, destila uma personalidade e um experimentalismo que muitos realizadores só se atrevem a ostentar em alguns curta-metragens. 
É o primeiro passo de uma caminhada que o levará até enigmas tornados filmes, como “A Estrada Perdida” e “Império dos Sonhos”. 
Jack é a própria personificação da alienação: catatônico, passivo, neurótico, sua rotina é ir e vir entre um trabalho barulhento (nunca fica claro do quê se trata) e uma casa silenciosa. Em algum momento desse fluxo, ele vai parar na casa da namorada, onde os pais dela lhe dão uma notícia pouco usual (e que definirá os rumos do filme): que eles têm um filho, e este deve ser pego no hospital para que comecem a criá-lo. Um vez entre com os dois, morando em seu apartamento-cubículo, esse filho revela-se, não um bebê humano e normal, mas uma criatura estranha, propositadamente repulsiva, envolto em bandagens, e que resmunga sem parar. 
Ele não cresce; só faz ficar mais e mais doente. Tudo lhe incita choro, exceto rápidos momentos, em que parece achar graça dos infortúnios experimentados por Jack. É uma presença que só não perturba mais o protagonista, porque sua atitude passiva não permite que isso fique claro. Mas fica: A relação, desprovida de qualquer razão de ser, com a namorada logo se deteriora quando Jack conhece a promiscua vizinha do lado, e ele acaba sozinho com o bebê mutante. As coisas porém não param por aí, e o quê já parecia surreal ganha ainda mais estranheza conforme cenas que aparentavam ser pesadelos de Jack (envolvendo uma pavorosa “mulher-esquilo”) começam a interferir em sua realidade. 
Lynch captura aqui a experiência de se vivenciar um sonho (ou seria pesadelo?) de maneira mais abstrata e menos lírica do que Akira Kurosawa fez em “Sonhos”. Para Lynch, o subconsciente é, acima de tudo, a usina onde se processam os medos mais primitivos e guturais. “Eraserhead” é sobre o medo juvenil da paternidade, o quê termina refletindo, diga-se, camadas biográficas e pessoais do próprio Lynch.

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