David Lynch apronta mais uma das suas em
“Eraserhead”. Na verdade, trata-se de seu primeiro trabalho, e já ali, destila
uma personalidade e um experimentalismo que muitos realizadores só se atrevem a
ostentar em alguns curta-metragens.
É o primeiro passo de uma caminhada que o
levará até enigmas tornados filmes, como “A Estrada Perdida” e “Império dos
Sonhos”.
Jack é a própria personificação da alienação:
catatônico, passivo, neurótico, sua rotina é ir e vir entre um trabalho
barulhento (nunca fica claro do quê se trata) e uma casa silenciosa. Em algum
momento desse fluxo, ele vai parar na casa da namorada, onde os pais dela lhe
dão uma notícia pouco usual (e que definirá os rumos do filme): que eles têm um
filho, e este deve ser pego no hospital para que comecem a criá-lo. Um vez
entre com os dois, morando em seu apartamento-cubículo, esse filho revela-se,
não um bebê humano e normal, mas uma criatura estranha, propositadamente
repulsiva, envolto em bandagens, e que resmunga sem parar.
Ele não cresce; só faz ficar mais e mais
doente. Tudo lhe incita choro, exceto rápidos momentos, em que parece achar
graça dos infortúnios experimentados por Jack. É uma presença que só não
perturba mais o protagonista, porque sua atitude passiva não permite que isso
fique claro. Mas fica: A relação, desprovida de qualquer razão de ser, com a
namorada logo se deteriora quando Jack conhece a promiscua vizinha do lado, e
ele acaba sozinho com o bebê mutante. As coisas porém não param por aí, e o quê
já parecia surreal ganha ainda mais estranheza conforme cenas que aparentavam
ser pesadelos de Jack (envolvendo uma pavorosa “mulher-esquilo”) começam a
interferir em sua realidade.
Lynch captura aqui a
experiência de se vivenciar um sonho (ou seria pesadelo?) de maneira mais
abstrata e menos lírica do que Akira Kurosawa fez em “Sonhos”. Para Lynch, o
subconsciente é, acima de tudo, a usina onde se processam os medos mais
primitivos e guturais. “Eraserhead” é sobre o medo juvenil da paternidade, o
quê termina refletindo, diga-se, camadas biográficas e pessoais do próprio
Lynch.
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