segunda-feira, 23 de julho de 2018

Desencanto


São lindos os monólogos interiores da atriz Celia Johnson que pontuam inúmeras das cenas deste magnífico trabalho.
Não obstante o fato de o diretor David Lean ter se notabilizado como grande artesão de épicos como “Lawrence da Arábia”, “A Ponte do Rio Kwai” e “Doutor Jivago”, há uma profunda habilidade que norteia esta obra essencialmente intimista.
Quando o filme começa, estamos dentro da cafeteria tumultuada de uma estação de trem na Inglaterra. Personagens –figurantes que aparecerão aqui e ali o filme todo –falam pelos cotovelos integrados àquela cacofonia. A câmera de Lean, entretanto, faz um sutil movimento para flagrar o contraste do estado desolado de um casal em uma das mesas.
Será esse casal cuja história a narrativa tratará de esmiuçar no filme que se segue.
Quando ela pega o trem que a leva para casa –e descobrimos então ser ela uma mulher casada –o filme realiza, em algum momento, um flashback que irá nos inteirar da situação; e descobriremos assim, sem notar, que começamos o filme pelo final.
Ela se chama Laura (Celia Johnson) e ele, Alec (Trevor Howard).
Dois estranhos que compartilham a coincidência de terem horários de trens em comum às quintas-feiras.
A cada encontro fortuito, o acaso os enlaça com uma civilizada camaradagem no início, para então, evoluir esse sentimento pouco a pouco, até que Laura e Alec se descubram apaixonados.
Não há obstáculos para o amor; há impossibilidades abissais: Não só Laura, mas Alec também é casado, e ambos concordam que trair seus respectivos cônjuges seria de uma sordidez que mancharia a beleza do sentimento que os une.
Esplendidamente filmado em preto & branco, o filme de Lean se vale de inúmeros aspectos visuais do cinema noir para definir a circunstância ilícita do relacionamento que os personagens buscam manter, mas não consumar: Sombras os espreitam o tempo todo, ameaçadoras e onipresentes, impondo a sensação de que algo errado está sendo cometido –e, mais cedo ou mais tarde, o destino há de cobrar a ousadia de tal delito.
Inspiração para todos os romances dessa natureza que vieram depois –como “Amor À Flor da Pele”, de Won Kar Wai –o magistral trabalho de David Lean é, até hoje, uma das mais louvadas obras cinematográficas de todos os tempos.
Razões para tanto ele ostenta ao longo de toda sua duração, sendo talvez a mais palpitante e evidente a genuína emoção que brota dessa tocante história sobre um amor sufocado.

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