sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Marilyn Monroe - O Fim dos Dias


 Dizer que Marilyn Monroe é uma estrela imortalizada, um ícone de beleza e sensualidade é certamente chover no molhado. No modo como eclipsou praticamente todos os outros astros e estrelas de seu tempo, no impacto que sua imagem teve (e ainda tem) na cultura pop, e no choque de sua abrupta morte precoce, Marilyn Monroe é quase um enigma que segue fascinando gerações de fãs ao redor do mundo todo. Para tanto, não faltaram documentários a se debruçar sobre os aborrecimentos de sua vida, desde os abusos e maus-tratos na infância (que a condenaram a uma carência afetiva contundente), até as circunstâncias ainda hoje nebulosas de sua morte.

Dirigido e produzido por Patty Ivins –e narrado por James Coburn –o documentário “Marilyn Monroe-O Fim dos Dias” prefere focar não em sua morte ou em sua trajetória como estrela de Hollywood (embora esses tópicos apareçam eventualmente em foco), mas nos desdobramentos que cercaram o último filme jamais realizado por Marilyn, a comédia “Something’s Got To Give”.

Uma das mais famosas produções inacabadas de Hollywood, “Something’s Got To Give” contaria a história de uma mulher (Marilyn) voltando para casa após ficar cinco anos numa ilha deserta (!?), reencontrando o marido (Dean Martin) prestes a se enlaçar com outra mulher (Cyd Charisse, de “Cantando Na Chuva”). O projeto era uma refilmagem de “Minha Esposa Favorita”, clássico de 1940 com Cary Grant, e seria dirigido por George Cukor que já havia dirigido –à duras penas... –Marilyn em “Adorável Pecadora”.

Na época (início de 1962), Marilyn Monroe estava a um ano sem filmar. Contratada dos Estúdios da Fox, ela havia sido cedida para outros estúdios –para os quais fez, por exemplo, “Os Desajustados” –mas, ainda lhes devia um filme. E a Fox, por sua vez, estava ávida por um sucesso: No mesmo período, Joseph Mankievicz e Elizabeth Taylor estavam à levar o estúdio à bancarrota com os custos astronômicos de seu megalomaníaco “Cleópatra”. Por sua vez, todos os filmes de Marilyn haviam feito excelente desempenho nas bilheterias, e a Fox se via ansiosa para aproveitar sua estrela maior e ter algum retorno financeiro.

O documentário de Ivins esmiúça o passo a passo da realização do projeto, assumindo ares de um elaborado making-off em sua primeira metade, mostrando o processo de escolha do elenco e enfatizando as opiniões de inúmeros envolvidos que surgem envelhecidos em depoimentos posteriores.

Fica claro que Marilyn era a grande razão de ser do projeto tanto quanto sua grande fonte de preocupação: O diretor Cukor (escolhido à dedo por ela) sabia da encrenca que estava se metendo e, desde os produtores, passando pelos executivos do estúdio, até os coadjuvantes e membros da equipe técnica, todos conheciam a notória propensão para se atrasar (e atrasar as filmagens) de Marilyn.

Ainda assim, “Something’s Got To Give” foi sendo executado, primeiro com testes de figurino, depois com suas filmagens iniciais (nas quais o restante do elenco compareceu alegremente), até que as ausências de Marilyn começam a emperrar a produção –segundo alguns depoimentos, bastante sinceros, tais ausências teriam relação com a saúde da estrela, agravada por seu instável estado emocional, mas a turbulenta vida amorosa dela (que então se dividia entre flertes com o presidente John Kennedy e seu irmão, e Procurador-Geral, Bobby) também entra em questão.

Após exaurir a paciência de Cukor, do elenco e da equipe com seus atrasos –e tendo cumprido cerca de onze dias numa agenda que previa para ela trinta dias de filmagens! –Marilyn se ausenta uma vez mais, levando a Fox a dar um basta: Ela é demitida da produção, o que gera uma reação em cadeia que leva o filme em si a ser praticamente engavetado (mesmo os esforços do estúdio para substituir Marilyn por outras atrizes se revelaram inviáveis).

As semanas que se seguiram –e que antecederam o fatídico 4 de agosto de 1962 –mostraram Marilyn buscando restaurar a realização de “Something’s Got To Give”, o que ela de fato conseguiu, convencendo o estúdio da Fox a retomar as filmagens trazendo de volta elenco e equipe técnica (somente o diretor Cukor seria substituído por Jean Negulesco), até que então a tragédia se fez inevitável e Marilyn, numa trágica madrugada, foi encontrada morta em sua casa, pelo que afirmou-se ter sido uma overdose de comprimidos e medicamentos.

A morte dela é uma sombra obscura que permeia a narrativa de lamento, mas o documentário a aborda de maneira breve –aficcionados por teorias de conspiração que envolvem seu possível assassinato terão de procurar isso em outros filmes –o seu trecho final, após deixar bem claro o destino mal-fadado que o projeto teve quando sua estrela principal faleceu, entrega uma curiosidade ao expectador: O material recuperado dos arquivos da Fox, daquilo que foi filmado de “Something’s Got Give”, editado e finalizado com o que chegou a ser feito do filme. Podemos assim acompanhar cerca de meia hora –que corresponde a partes significativas da primeira metade do filme –onde é possível constatar a trama em progresso. As cenas que ficaram faltando eram todas de sua indispensável atriz principal, mas as sequências que Marilyn Monroe chegou a filmar (e que incluiriam as primeiras e revolucionárias cenas de nudez praticadas por uma estrela hollywoodiana no cinema) são mágicas, indicativas do fato de que, se Marilyn comprometia os prazos e levava os realizadores à um ataque de nervos, quando ela comparecia para fazer suas cenas, o resultado era sempre inigualável.

Chega ser entristecedor ver o material incompleto de “Something’s Got To Give” –o que chegou a ser feito deixa bem claro que o filme seria sensacional –tudo o que resta dele são as lendárias turbulências que o impediram de ser terminado, e a personalidade sempre fascinante da mulher carismática e vulnerável no centro de toda a sua confusão, a cativante, inesgotavelmente sensual, tristemente encantadora e ainda assim maravilhosa Marilyn Monroe.

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