Dizer que Marilyn Monroe é uma estrela imortalizada, um ícone de beleza e sensualidade é certamente chover no molhado. No modo como eclipsou praticamente todos os outros astros e estrelas de seu tempo, no impacto que sua imagem teve (e ainda tem) na cultura pop, e no choque de sua abrupta morte precoce, Marilyn Monroe é quase um enigma que segue fascinando gerações de fãs ao redor do mundo todo. Para tanto, não faltaram documentários a se debruçar sobre os aborrecimentos de sua vida, desde os abusos e maus-tratos na infância (que a condenaram a uma carência afetiva contundente), até as circunstâncias ainda hoje nebulosas de sua morte.
Dirigido e produzido por Patty Ivins –e narrado
por James Coburn –o documentário “Marilyn Monroe-O Fim dos Dias” prefere focar
não em sua morte ou em sua trajetória como estrela de Hollywood (embora esses
tópicos apareçam eventualmente em foco), mas nos desdobramentos que cercaram o
último filme jamais realizado por Marilyn, a comédia “Something’s Got To Give”.
Uma das mais famosas produções inacabadas de
Hollywood, “Something’s Got To Give” contaria a história de uma mulher
(Marilyn) voltando para casa após ficar cinco anos numa ilha deserta (!?),
reencontrando o marido (Dean Martin) prestes a se enlaçar com outra mulher (Cyd
Charisse, de “Cantando Na Chuva”). O projeto era uma refilmagem de “Minha
Esposa Favorita”, clássico de 1940 com Cary Grant, e seria dirigido por George
Cukor que já havia dirigido –à duras penas... –Marilyn em “Adorável Pecadora”.
Na época (início de 1962), Marilyn Monroe
estava a um ano sem filmar. Contratada dos Estúdios da Fox, ela havia sido
cedida para outros estúdios –para os quais fez, por exemplo, “Os Desajustados”
–mas, ainda lhes devia um filme. E a Fox, por sua vez, estava ávida por um
sucesso: No mesmo período, Joseph Mankievicz e Elizabeth Taylor estavam à levar
o estúdio à bancarrota com os custos astronômicos de seu megalomaníaco
“Cleópatra”. Por sua vez, todos os filmes de Marilyn haviam feito excelente
desempenho nas bilheterias, e a Fox se via ansiosa para aproveitar sua estrela
maior e ter algum retorno financeiro.
O documentário de Ivins esmiúça o passo a passo
da realização do projeto, assumindo ares de um elaborado making-off em sua
primeira metade, mostrando o processo de escolha do elenco e enfatizando as
opiniões de inúmeros envolvidos que surgem envelhecidos em depoimentos
posteriores.
Fica claro que Marilyn era a grande razão de
ser do projeto tanto quanto sua grande fonte de preocupação: O diretor Cukor (escolhido
à dedo por ela) sabia da encrenca que estava se metendo e, desde os produtores,
passando pelos executivos do estúdio, até os coadjuvantes e membros da equipe
técnica, todos conheciam a notória propensão para se atrasar (e atrasar as
filmagens) de Marilyn.
Ainda assim, “Something’s Got To Give” foi
sendo executado, primeiro com testes de figurino, depois com suas filmagens
iniciais (nas quais o restante do elenco compareceu alegremente), até que as
ausências de Marilyn começam a emperrar a produção –segundo alguns depoimentos,
bastante sinceros, tais ausências teriam relação com a saúde da estrela,
agravada por seu instável estado emocional, mas a turbulenta vida amorosa dela
(que então se dividia entre flertes com o presidente John Kennedy e seu irmão,
e Procurador-Geral, Bobby) também entra em questão.
Após exaurir a paciência de Cukor, do elenco e
da equipe com seus atrasos –e tendo cumprido cerca de onze dias numa agenda que
previa para ela trinta dias de filmagens! –Marilyn se ausenta uma vez mais,
levando a Fox a dar um basta: Ela é demitida da produção, o que gera uma reação
em cadeia que leva o filme em si a ser praticamente engavetado (mesmo os esforços
do estúdio para substituir Marilyn por outras atrizes se revelaram inviáveis).
As semanas que se seguiram –e que antecederam o
fatídico 4 de agosto de 1962 –mostraram Marilyn buscando restaurar a realização
de “Something’s Got To Give”, o que ela de fato conseguiu, convencendo o
estúdio da Fox a retomar as filmagens trazendo de volta elenco e equipe técnica
(somente o diretor Cukor seria substituído por Jean Negulesco), até que então a
tragédia se fez inevitável e Marilyn, numa trágica madrugada, foi encontrada
morta em sua casa, pelo que afirmou-se ter sido uma overdose de comprimidos e
medicamentos.
A morte dela é uma sombra obscura que permeia a
narrativa de lamento, mas o documentário a aborda de maneira breve
–aficcionados por teorias de conspiração que envolvem seu possível assassinato
terão de procurar isso em outros filmes –o seu trecho final, após deixar bem
claro o destino mal-fadado que o projeto teve quando sua estrela principal
faleceu, entrega uma curiosidade ao expectador: O material recuperado dos
arquivos da Fox, daquilo que foi filmado de “Something’s Got Give”, editado e
finalizado com o que chegou a ser feito do filme. Podemos assim acompanhar
cerca de meia hora –que corresponde a partes significativas da primeira metade
do filme –onde é possível constatar a trama em progresso. As cenas que ficaram
faltando eram todas de sua indispensável atriz principal, mas as sequências que
Marilyn Monroe chegou a filmar (e que incluiriam as primeiras e revolucionárias
cenas de nudez praticadas por uma estrela hollywoodiana no cinema) são mágicas,
indicativas do fato de que, se Marilyn comprometia os prazos e levava os
realizadores à um ataque de nervos, quando ela comparecia para fazer suas
cenas, o resultado era sempre inigualável.
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