segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Duna


 O clássico da ficção científica concebido por Frank Hernert foi –e até prova em contrário, continua sendo –uma espécie de desafio para o cinema: Poucas obras enfrentaram tantas dificuldades para ser adaptada (em grande medida, por sua complexidade, pelo gigantismo de sua premissa, incapaz de ser simplificada, e pela difícil conjugação entre uma obra comercialmente viável e artisticamente concisa), gerando ao longo dessas tentativas, exemplares inusitados que, em sua maioria, geraram polêmica entre os expectadores.

Há, entre esses, o esforço lendário de Alejandro Jodorowsky em meados dos anos 1970, cujos contratempos, ambições, planos, ideias e frustrações (culminando no abandono do projeto) foram compilados e registrados no formidável documentário lançado em 2013 por Frank Pavich.

Algo próximo de uma adaptação real de “Duna” só foi mesmo perpetrada –e ganhou as telas de cinema –em 1984, quando o produtor Dino De Laurentis e o diretor David Lynch uniram forças para tal empreitada. De Laurentis vinha de uma fase na qual ao produzir material de cinema hollywwodiano tentou de tudo um pouco (ao longo daqueles últimos dois anos, ele realizou o formidável “Na Época do Ragtime”, de Milos Forman, o bem-sucedido “Conan”, de John Milius, a irregular refilmagem de “O Grande Motim”, “Rebelião Em Alto-Mar”, de Roger Donaldson, e o cultuado “A Hora da Zona Morta”, de David Cronenberg), já, David Lynch vinha de um projeto aclamado (“O Homem-Elefante”, seu primeiro trabalho para cinema depois do desafiador “Eraserhead”) e havia sido, por algum tempo, sondado pelo produtor George Lucas para dirigir “Star Wars-O Retorno de Jedi”, sendo preterido por Richard Marquant.

Talvez tenha sido esse episódio que incentivou David Lynch a experimentar a direção de uma ficção científica, aceitando pela primeira, e única vez em sua carreira, o comando de um projeto grandioso e endinheirado.

“Duna” começa –como os leitores do livro gigantesco de Herbert já poderiam supor –aos atropelos, deixando inúmeras informações literárias pelo caminho a fim albergar toda a trama numa obra de cento e trinta e sete minutos de duração: David Lynch insistiu numa edição bem mais extensa, refutada pelos produtores.

No planeta Arrakis, o Clã Atreides –do qual fazem parte o pai, Leto (Jürgen Prochnow), o filho Paul (Kyle Mac Lachlan, protagonista do filme e alter-ego de Lynch), e a mãe Jessica (Francesca Annis, de “Macbeth”) –assume o controle do lugar, tendo sobre si a desdenhosa supervisão de toda galáxia: Arrakis é o único planeta em todo o universo que fornece a especiaria Melange, um material essencial para a execução de viagens interplanetárias, pela capacidade que promove de fazer com que alguns cérebros atinjam uma elevação quântica, perceptiva e sensorial.

Entretanto, como é inerente a esse sistema feudalista espacial, os Atreides sofrem uma conspiração. Leto é assassinado, a família é deposta, restando à Paul e sua mãe refugiarem-se no grande deserto que envolve o planeta, morada do hostil povo nativo, os Fremen. Entre eles, Paul deve conquistar um lugar na tribo aprendendo a domar os Vermes, criaturas gigantescas sobre o dorso das quais os mais valentes Fremens são capazes de cavalgar.

Esses e outros percalços conduzem Paul a um duelo derradeiro contra o perigoso representante de seus traidores, Feyd-Rautha, vivido por Sting.

Turbulento em sua realização, errático na adaptação instintiva e frequentemente equivocada que faz do tomo de Frank Herbert –cujo excesso de detalhes, personagens, informações e sub-tramas representava um desafio a qualquer roteirista –“Duna” tem a seu favor a direção sempre inventiva e original de David Lynch e... nada mais.

As passagens pontuais da trama transcorrem com aleatoriedade maçante, e a ausência dos detalhes suprimidos em função da adaptação enfraquecem a relevância de tudo o que foi preservado. O expectador que adentrar o conceito idealizado por Herbert unicamente baseado na produção de De Laurentis e Lynch corre o sério risco de julgar que “Duna” não passa de uma obra estranha, inconstante e incoerente, e não o marco referencial do gênero que ele de fato é.

Após a mal-fadada repercussão do “Duna” de David Lynch, o livro ainda tentou ser adaptado numa pra lá de mediana minissérie do canal SyFy no ano 2000 que, se por um lado preservava a riqueza de detalhes do livro com seus duzentos e sessenta e cinco minutos de duração, por outro falhava miseravelmente no quesito primor narrativo.

Ainda durante esta pandemia pode haver uma esperança para a realização de Frank Herbert ganhar uma adaptação merecidamente válida: O diretor canadense Denis Vileneuve (em quem até hoje os cinéfilos do mundo inteiro não se arrependeram de depositar a confiança) prepara uma nova versão, desta vez, dividida em dois vultuosos longa-metragens.

Aguardaremos.

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