O clássico da ficção científica concebido por Frank Hernert foi –e até prova em contrário, continua sendo –uma espécie de desafio para o cinema: Poucas obras enfrentaram tantas dificuldades para ser adaptada (em grande medida, por sua complexidade, pelo gigantismo de sua premissa, incapaz de ser simplificada, e pela difícil conjugação entre uma obra comercialmente viável e artisticamente concisa), gerando ao longo dessas tentativas, exemplares inusitados que, em sua maioria, geraram polêmica entre os expectadores.
Há, entre esses, o esforço lendário de
Alejandro Jodorowsky em meados dos anos 1970, cujos contratempos, ambições,
planos, ideias e frustrações (culminando no abandono do projeto) foram
compilados e registrados no formidável documentário lançado em 2013 por Frank
Pavich.
Algo próximo de uma adaptação real de “Duna” só
foi mesmo perpetrada –e ganhou as telas de cinema –em 1984, quando o produtor
Dino De Laurentis e o diretor David Lynch uniram forças para tal empreitada. De
Laurentis vinha de uma fase na qual ao produzir material de cinema
hollywwodiano tentou de tudo um pouco (ao longo daqueles últimos dois anos, ele
realizou o formidável “Na Época do Ragtime”, de Milos Forman, o bem-sucedido
“Conan”, de John Milius, a irregular refilmagem de “O Grande Motim”, “Rebelião
Em Alto-Mar”, de Roger Donaldson, e o cultuado “A Hora da Zona Morta”, de David
Cronenberg), já, David Lynch vinha de um projeto aclamado (“O Homem-Elefante”,
seu primeiro trabalho para cinema depois do desafiador “Eraserhead”) e havia
sido, por algum tempo, sondado pelo produtor George Lucas para dirigir “Star Wars-O Retorno de Jedi”, sendo preterido por Richard Marquant.
Talvez tenha sido esse episódio que incentivou
David Lynch a experimentar a direção de uma ficção científica, aceitando pela
primeira, e única vez em sua carreira, o comando de um projeto grandioso e
endinheirado.
“Duna” começa –como os leitores do livro
gigantesco de Herbert já poderiam supor –aos atropelos, deixando inúmeras
informações literárias pelo caminho a fim albergar toda a trama numa obra de
cento e trinta e sete minutos de duração: David Lynch insistiu numa edição bem
mais extensa, refutada pelos produtores.
No planeta Arrakis, o Clã Atreides –do qual
fazem parte o pai, Leto (Jürgen Prochnow), o filho Paul (Kyle Mac Lachlan,
protagonista do filme e alter-ego de Lynch), e a mãe Jessica (Francesca Annis,
de “Macbeth”) –assume o controle do lugar, tendo sobre si a desdenhosa
supervisão de toda galáxia: Arrakis é o único planeta em todo o universo que
fornece a especiaria Melange, um material essencial para a execução de viagens
interplanetárias, pela capacidade que promove de fazer com que alguns cérebros
atinjam uma elevação quântica, perceptiva e sensorial.
Entretanto, como é inerente a esse sistema
feudalista espacial, os Atreides sofrem uma conspiração. Leto é assassinado, a
família é deposta, restando à Paul e sua mãe refugiarem-se no grande deserto
que envolve o planeta, morada do hostil povo nativo, os Fremen. Entre eles,
Paul deve conquistar um lugar na tribo aprendendo a domar os Vermes, criaturas
gigantescas sobre o dorso das quais os mais valentes Fremens são capazes de
cavalgar.
Esses e outros percalços conduzem Paul a um
duelo derradeiro contra o perigoso representante de seus traidores,
Feyd-Rautha, vivido por Sting.
Turbulento em sua realização, errático na
adaptação instintiva e frequentemente equivocada que faz do tomo de Frank
Herbert –cujo excesso de detalhes, personagens, informações e sub-tramas
representava um desafio a qualquer roteirista –“Duna” tem a seu favor a direção
sempre inventiva e original de David Lynch e... nada mais.
As passagens pontuais da trama transcorrem com
aleatoriedade maçante, e a ausência dos detalhes suprimidos em função da
adaptação enfraquecem a relevância de tudo o que foi preservado. O expectador
que adentrar o conceito idealizado por Herbert unicamente baseado na produção
de De Laurentis e Lynch corre o sério risco de julgar que “Duna” não passa de
uma obra estranha, inconstante e incoerente, e não o marco referencial do
gênero que ele de fato é.
Após a mal-fadada repercussão do “Duna” de
David Lynch, o livro ainda tentou ser adaptado numa pra lá de mediana
minissérie do canal SyFy no ano 2000 que, se por um lado preservava a riqueza
de detalhes do livro com seus duzentos e sessenta e cinco minutos de duração,
por outro falhava miseravelmente no quesito primor narrativo.
Ainda durante esta pandemia pode haver uma
esperança para a realização de Frank Herbert ganhar uma adaptação merecidamente
válida: O diretor canadense Denis Vileneuve (em quem até hoje os cinéfilos do
mundo inteiro não se arrependeram de depositar a confiança) prepara uma nova
versão, desta vez, dividida em dois vultuosos longa-metragens.
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