quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Te Amarei Até Te Matar


 Dentre os diversos e variados filmes entregues pelo diretor e roteirista Lawrence Kasdan entre os anos 1980 e 90 –todos com um elenco estelar que normalmente se repetia –“Te Amarei Até Te Matar” é aquele com as características mais autorais, uma comédia transbordante de humor negro, inspirada, por sua vez, num fato real (!), tão inacreditável que só poderia ser plausível mesmo sob a alegação de que se baseava na realidade.

Dono de uma pizzaria na Pensilvânia, o ítalo-americano Joey Boca (Kevin Kline, no personagem mais sarcástico de sua carreira depois de “Um Peixe Chamado Wanda”) se acha o dono do mundo: Mete forças o tempo todo com a sogra enfezada, Nadja (Joan Plowright), inferniza os empregados, em especial, o humilde Devo (River Phoenix) e trai abertamente a esposa, Rosalie (Tracey Ullman).

Quando Rosalie descobre o adultério, com efeito, não lhe faltam conselheiros caprichosos –Nadja e Devo (este, secretamente apaixonado por ela) –para lhe incitar a vingar-se. Sem poder se divorciar (entre os católicos isso é inadmissível), a saída que resta é dar cabo do marido mulherengo, afinal, estando morto, Joey beneficia muito mais a todos do que estando vivo.

Ao lado de Devo e Nadja –dois comparsas dos mais destrambelhados que se pode imaginar –Rosalie dá inicio a um meticuloso plano de vingança, que inicialmente inclui matar Joey envenenado (!).

Contudo, isso não dá certo (teria o veneno deixado de funcionar?) e o grupo recorre a, digamos, “profissionais”: Entra em cena a dupla de pretensos ‘assassinos de aluguel’, formada pelos maconheiros Harlan e Marlon (William Hurt e Keanu Reeves, ambos impagáveis), tão lesados e fora da realidade que, em momento algum do filme, sabem onde estão (!).

Após um início claudicante, onde o roteiro assume ares burocráticos para estabelecer motivações –algo que revela a disposição acadêmica de Kasdan –“Te Amarei Até Te Matar” não tarda a enveredar por meio do filme que enfim queria ser, desenvolvendo sua trama toda ao longo de uma única madrugada, com idas e vindas, trapalhadas, surpresas e reviravoltas que emulam um senso de humor macabro, muito adequado a um Alfred Hitchcock, temperado, porém, com um viés ácido que só começaria a ser de fato experimentado no cinema da década de 1990.

O elenco fenomenal faz maravilhas –os maconheiros vividos por Keanu Reeves e William Hurt simplesmente roubam as cenas; Kasdan extrai muito comicidade de intérpretes normalmente atrelados a atuações mais sérias, caso de Phoenix, Plowright e Ullman (embora esta tivesse feito trabalhos com Mel Brooks e John Walters); e Kevin Kline oferece toda a solidez e sustentação à trama, compondo um protagonista em torno do qual todos os objetivos circundam –e o filme, com seu misto incomum e inusitado de comédia, suspense e fatalismo, se não consegue divertir plenamente todos os públicos (pois seu humor é deveras peculiar e particular para chegar a tal abrangência), ao menos se mostra envolvente, curioso e instigante na análise descontraída e hilária das falhas humanas que nos impelem ao delito, e das inesperadas intrigas da vida doméstica.

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