Nos anos de transição da década de 1990 para 2000, o estúdio Dreamworks, fundado por Steven Spielberg, Jeffrey Katzenberg e David Geffen, entrou numa série de projetos, disposto a fazer estardalhaço no cinema. Certamente, um desses projetos, “Formiguinhaz”, haveria de envolver animação, a grande especialidade do produtor Katzenberg –que esteve a frente da reformulação dos Estúdios Disney com “A Pequena Sereia” e “A Bela e A Fera”, dez anos antes. A ironia foi que “Formiguinhaz”, numa dessas coincidências inconvenientes que vez ou outra acontece em Hollywood, estreou na mesma temporada que outra animação, também ela tendo o mundo miniatura dos insetos como foco central, “Vida de Inseto”, da Pixar.
Na comparação com o divertido e descontraído
trabalho da Pixar, “Formiguinhaz” é pleno de escolhas curiosas, indicativas do
quanto os realizadores vão muito além de entregar uma obra para crianças, mas
uma produção pontuada por detalhes que chamam a atenção dos adultos.
A começar pela escolha de Woody Allen para dar
voz ao personagem principal, a formiga operária Z que, no início do filme,
surge num divã, relatando suas neuroses num tom hesitante e tímido que Allen
domina completamente. Com isso parece haver uma relação estabelecida pelos
realizadores entre as formigas e o povo de Nova York –cosmopolitas, numerosos,
incapazes de prestar atenção uns nos outros, colhidos numa série de ciclos
viciosos e, como Z, sujeitos a ocasionais vazios existenciais.
Z se pergunta porque deve ser mais um dentre
tantos. A mediocridade o incomoda quando parece não perturbar todos os outros,
indiferentes e dóceis para com sua rotina.
Assim, Z propõe uma ligeira troca com seu
melhor amigo, Weaver (voz de Sylvester Stallone): Ele, que é soldado, trocará
de lugar com Z, e assim saberá como é o dia-a-dia de um operário –enquanto que
Z poderá experimentar a emoção diferenciada de partir em batalha. Para o azar
de Z, porém, o General Mandíbula (Gene Hackman) organiza uma ataque aos cupins,
moradores de um formigueiro próximo –repare na cena em que Z encontra a cabeça
decepada, mas ainda viva e falante, de um amigo no campo de batalha (!),
exemplar do quanto a animação não ameniza em cenas até um tanto violentas.
Por suas dimensões reduzidas para um soldado, Z
acaba sendo o único sobreviventes da batalha –o que coloca certo imprevisto nos planos do General
Mandíbula. Quando seu embuste é descoberto, contudo, resta a Z improvisar e,
com isso, ele escapa para fora do formigueiro junto da Princesa Bala a quem
tentou fazer, muito atrapalhadamente, de refém.
Paralelamente, a animação acompanha então a
aventura de Z e da Princesa Bala às voltas com os perigos do agigantado mundo
exterior –onde testemunhamos mais cenas intensamente violentas, como a
cauterização de uma formiga com o raio solar de uma lupa; ou a morte de um
inseto fêmea esmagada por meio de um mata-moscas –e a crescente fama de Z entre
seus pares do formigueiro, em meio aos quais corre a história da audácia do
operário em decidir ocupar o lugar de um soldado, e tornar-se herói de guerra
com isso.
Vai ficando também claro o plano maligno do
General Mandíbula, e nele, a mensagem de individualismo difundida nas
peripécias de Z entre as demais formigas acaba sendo prejudicial.
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