Alguns filmes entraram para a crônica cinematográfica por obterem um nível quase inacreditável de ruindade em seu resultado final. Sob esse ângulo, o nacional “Cinderela Baiana”, de Conrado Sanchez, é lendário.
Feito para capitalizar em cima do sucesso da
dançarina Carla Perez –que, nos anos 1990, mexia com a libido da plateia
rebolando ao som das músicas maliciosas do grupo “É O Tchan!” –o filme é, ou
tinha pretensões de ser, uma espécie da biografia dela, relatando em tom de
conto de fadas sua trajetória desde a infância humilde no sertão da Bahia até o
estrelato. Entretanto, qualquer relação que a obra pudesse ter com a vida real
perdeu-se em algum ponto entre sua completa falta de noção, sua execução
destrambelhada e risível e sua produção indigente.
O que resta ao corajoso expectador que se
arriscar a encarar esta presepada é a trama da garotinha Carla (interpretada na
infância pela pequena Carla Fabianny), moradora de um casebre caindo aos
pedaços na Bahia, cujos pais, humildes, nada têm para lhe prover. E tão
periclitante é a situação deles que, em determinada cena, é mostrada um jibóia
rastejando por cima da inocente menina que dorme (?!) enquanto seu pai, após
pegar a cobra (!), faz um emocionado (só que não) discurso sobre a pobreza e a
necessidade das classes baixas (?!). Para a pequena Carla nada disso importa:
Tudo que ela quer é rebolar e saracotear para lá e para cá –e assim passam os
anos, até que a personagem ganha as formas da Carla Perez propriamente dita,
visivelmente em seu primeiro trabalho envolvendo algo como atuação. Tão bisonho
é o desempenho que ela apresenta (suas feições dramáticas parecem ser de alguém
sofrendo com prisão de ventre!) que chega a rivalizar com a inacreditável
composição de Tommy Wiseau em “The Room”.
Em algum momento desse seu rebolar eterno,
injustificado e compulsivo, Carla é descoberta por um ‘olheiro’ a mando do
insano vilão da trama, um empresário surtado cujas falas são todas gritadas,
‘interpretado’ por Perry Sales.
No embalo disso tudo, “Cinderela Baiana” vai
entregando ao expectador uma sucessão absurda de momentos inacreditáveis em seu
desleixo: Péssimos personagens cujos monólogos são interrompidos pela própria
trilha sonora (?!); atores inexpressivos que atuam sem qualquer orientação da
direção; trechos de roteiro totalmente desprovidos de razão de ser; e
sequências de dança ao estilo ‘fundão de quintal’ que não conseguem provocar
qualquer reação no público exceto a de uma contundente vergonha alheia.
Na esteira de tudo isso, acompanhamos essa
estranha história de rumo ao estrelato, na qual Carla é, digamos, perseguida
pelo empresário de Perry Sales (bradando aos quatro ventos que fará dela uma
cinderela baiana!), e se depara com figura arquétipas dos contos de fadas: A
rival rancorosa; os coadjuvantes desorientados e pretensamente engraçados (um
deles vivido por Lázaro Ramos, coitado...); e o infalível príncipe encantado
–que surge, lá pelas tantas, nas feições do cantor de pagode Alexandre Pires,
então namorado de Carla Perez na vida real. E assim como sua estrela principal,
dizer que ele interpreta seria abusar da hipérbole: Na verdade, todos os atores
neste filme, dos novatos aos veteranos, parecem mais perdidos do que surdo em
bingo!
Toda essa vitrine de situações vexaminosas,
pontuada por insistentes números de dança que parecem somente preencher o tempo
da narrativa e cumprir a tabela de tocar todas as músicas do “É O Tchan!”,
culmina numa cena inacreditavelmente absurda por diversas razões: Carla, enfim
consolidada como estrela (sabe-se lá como), vai de carro até a beira de uma
estrada onde outras crianças, como ela outrora, pedem dinheiro aos transeuntes.
Ela declama um discurso todo empostado e moralista (além de incrivelmente
ininteligível e estranho tal o nível da atuação que ela entrega), então tomada
pela emoção pega, muito desajeitadamente, um passarinho de dentro de uma gaiola
e o solta à liberdade (?!), para então, junto da criançada, começar a rebolar
uma música de duplo sentido do “É O Tchan!” ali mesmo (!),
Pau que nasce torto/ Nunca se endireita/ Menina que requebra a mãe
pega na cabeça
Tão incrivelmente desleixado e esculhambado a
ponto de sua ruindade se converter em comédia (bem) involuntária, “Cinderela
Baiana” reserva, ao expectador capaz de chegar até o seu desfecho, uma
sequência de momentos que, de tão abilolados em sua realização, ficam na
memória como sendo hilariantes.
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