segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Macbeth

Compreende-se melhor a obra de Roman Polanski quando se contextualiza suas realizações cinematográficas com as tragédias pessoais que ele vivenciou.
Em “Macbeth”, nenhuma tragédia soa tão alto quanto o assassinato de sua esposa grávida, Sharon Tate, pelos seguidores psicóticos de Charles Mason, ocorrido pouco antes dele abraçar por inteiro este projeto.
A trágica história de traição e morte escrita por William Shakespeare, portanto, cataliza aqui as percepções que ele arcou daquele luto macabro e intolerável.
Não há, em “Macbeth”, circunstância que garanta segurança a qualquer personagem, nem momento de calmaria que não possa ser transfigurado pelo horror da carnificina súbita. E em seu fulgor cinematográfico, Polanski ainda se vale de um belo artifício: Os monólogos intensos e extensos no texto do bardo são convertidos em narrações em off que os transformam em fluxos de consciência.
A cena que abre o filme já entrega também suas incontornáveis inclinações nefastas: Três bruxas enterram uma mão humana numa praia chuvosa da Escócia, a mesma Escócia que será cenário para trama que irá se desenrolar.
Seu rei, Duncan (Nicholas Selby), recebe agradecido as notícias de que Macbeth (Jon Finch), seu primo e súdito de confiança rechaçou inimigos com tal coragem e nobreza que a ele já é imediatamente concedida a honraria de Cavaleiro de Cawdor.
Contudo, de certa maneira, Macbeth já sabia disso: As três bruxas vistas no início já lhe haviam profetizado isso, e lhe haviam profetizado também que viria ele a ser rei.
Ávido por tal posto, Macbeth é influenciado pelas palavras ansiosas de sua esposa, Lady Macbeth (Francesca Annis), a quem ele havia confiado sua revelação, e acaba convencido a assassinar Duncan, num momento em que este se torna hóspede em seu castelo, e assim, acelerar os acontecimentos.
Entretanto, o reinado de Macbeth não encontra um único instante de sossego: Ele agora se vê afligido por todos os indícios de que a soberania conquistada será então tomada dele, e inicia assim, uma sangrenta conspiração contra todos aqueles que podem representar uma ameaça a sua coroa –incluindo aí, amigos vítimas de sua traição.
Contaminado pela brutalidade da qual foi vítima, Polanski despeja em “Macbeth” toda a concepção de inocência perdida que então devia ocupar seus pensamentos com uma intensidade ainda mais palpável e pungente do que em outros trabalhos que realizou antes e depois. É de se compreender, assim, o detalhismo e o foco muito mais centralizado que ele dá aos aspectos sanguinários e mórbidos do enredo de maneira infinitamente mais enfatizada do que o fizeram outros grandes diretores que se prestaram a abordar a mesma obra, como Orson Welles ou Akira Kurosawa.
No “Macbeth” de Polanski, crianças são assassinadas em encenações gráficas, empregados de lealdade inquestionável são mortos com detalhes cruéis em função de sua própria honestidade; tudo que é bom, salutar e puro passa longe dessa Escócia esquecida por Deus que Polanski recria em tintas absolutamente perturbadoras.
Seu talento para essa observação implacável das arestas sombrias da índole humana ganha brilho particular quando o vemos servindo de moldura para o texto minimalista, poético e singular do bardo Shakespeare, aqui preservado quase que em sua totalidade (e ainda potencializado com o adendo maior das atrocidades físicas), graças à intenção de Polanski em moldar aspectos que artesões antes dele não tiveram a oportunidade de faze-lo –o nível de sanguinolência, de violência e de choque visual obtido aqui jamais seria alcançado em anos anteriores –e ao compromisso artístico de seu produtor Hugh Hefner (pasmem, o dono da revista Playboy!) que viu em “Macbeth” o projeto ideal para se lançar como um sério produtor de cinema.

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