Compreende-se melhor a obra de Roman Polanski
quando se contextualiza suas realizações cinematográficas com as tragédias
pessoais que ele vivenciou.
Em “Macbeth”, nenhuma tragédia soa tão alto
quanto o assassinato de sua esposa grávida, Sharon Tate, pelos seguidores
psicóticos de Charles Mason, ocorrido pouco antes dele abraçar por inteiro este
projeto.
A trágica história de traição e morte escrita
por William Shakespeare, portanto, cataliza aqui as percepções que ele arcou
daquele luto macabro e intolerável.
Não há, em “Macbeth”, circunstância que garanta
segurança a qualquer personagem, nem momento de calmaria que não possa ser
transfigurado pelo horror da carnificina súbita. E em seu fulgor
cinematográfico, Polanski ainda se vale de um belo artifício: Os monólogos
intensos e extensos no texto do bardo são convertidos em narrações em off que
os transformam em fluxos de consciência.
A cena que abre o filme já entrega também suas
incontornáveis inclinações nefastas: Três bruxas enterram uma mão humana numa
praia chuvosa da Escócia, a mesma Escócia que será cenário para trama que irá
se desenrolar.
Seu rei, Duncan (Nicholas Selby), recebe
agradecido as notícias de que Macbeth (Jon Finch), seu primo e súdito de
confiança rechaçou inimigos com tal coragem e nobreza que a ele já é
imediatamente concedida a honraria de Cavaleiro de Cawdor.
Contudo, de certa maneira, Macbeth já sabia
disso: As três bruxas vistas no início já lhe haviam profetizado isso, e lhe
haviam profetizado também que viria ele a ser rei.
Ávido por tal posto, Macbeth é influenciado
pelas palavras ansiosas de sua esposa, Lady Macbeth (Francesca Annis), a quem
ele havia confiado sua revelação, e acaba convencido a assassinar Duncan, num
momento em que este se torna hóspede em seu castelo, e assim, acelerar os
acontecimentos.
Entretanto, o reinado de Macbeth não encontra
um único instante de sossego: Ele agora se vê afligido por todos os indícios de
que a soberania conquistada será então tomada dele, e inicia assim, uma
sangrenta conspiração contra todos aqueles que podem representar uma ameaça a
sua coroa –incluindo aí, amigos vítimas de sua traição.
Contaminado pela brutalidade da qual foi
vítima, Polanski despeja em “Macbeth” toda a concepção de inocência perdida que
então devia ocupar seus pensamentos com uma intensidade ainda mais palpável e
pungente do que em outros trabalhos que realizou antes e depois. É de se
compreender, assim, o detalhismo e o foco muito mais centralizado que ele dá
aos aspectos sanguinários e mórbidos do enredo de maneira infinitamente mais
enfatizada do que o fizeram outros grandes diretores que se prestaram a abordar
a mesma obra, como Orson Welles ou Akira Kurosawa.
No “Macbeth” de Polanski, crianças são
assassinadas em encenações gráficas, empregados de lealdade inquestionável são
mortos com detalhes cruéis em função de sua própria honestidade; tudo que é
bom, salutar e puro passa longe dessa Escócia esquecida por Deus que Polanski
recria em tintas absolutamente perturbadoras.
Seu talento para essa
observação implacável das arestas sombrias da índole humana ganha brilho
particular quando o vemos servindo de moldura para o texto minimalista, poético
e singular do bardo Shakespeare, aqui preservado quase que em sua totalidade (e
ainda potencializado com o adendo maior das atrocidades físicas), graças à
intenção de Polanski em moldar aspectos que artesões antes dele não tiveram a
oportunidade de faze-lo –o nível de sanguinolência, de violência e de choque
visual obtido aqui jamais seria alcançado em anos anteriores –e ao compromisso
artístico de seu produtor Hugh Hefner (pasmem, o dono da revista Playboy!) que
viu em “Macbeth” o projeto ideal para se lançar como um sério produtor de
cinema.
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