Uma das mais aclamadas incursões do gênio Orson
Welles pelos textos loquazes, dissertativos e virtuosos de Willian Shakespeare,
“MacBeth” é também adaptada num filme mais recente dirigido, por sua vez, por
um certo Justin Kurzel, e estrelada por Michael Fassbender e Marion Cotillard.
Em “MacBeth”, Shakespeare narra a jornada de
equívocos, de crime e castigo do Lorde MacBeth, valoroso general a serviço do
rei da Escócia, cujas sucessivas conquistas no campo de batalha lhe concederam
não apenas a confiança do próprio rei, como o título de Barão de Cawdor. Logo
no início, três bruxas (que também profetizaram o seu baronato) lhe afirmam que
será, também ele, rei, o que fomenta a ambição crescente de MacBeth, impelida
ainda mais pela sanha inescrupulosa de sua esposa, Lady MacBeth.
Ela vale-se de suas convicções e de seus
inabaláveis argumentos para varrer a hesitação de seu relutante marido, e
convencê-lo assim a assassinar o rei, enquanto este pernoita como hóspede em
seu castelo, depositando a culpa em seus sentinelas.
Com o rei morto, MacBeth ocupa o seu lugar,
conforme a profecia, mas seu suplício, mal sabe ele, está apenas por começar.
Um verdadeiro abismo de diferença separa a
versão de Orson Welles da de Justin Kurzel.
Welles compreendia como poucos a dramaturgia de
Shakespeare, e impõe a este trabalho sombrio uma série de tons expressionistas
que reforçam as preposições alegóricas do conto original (exploradas também na
pouco conhecida versão que Roman Polanski realizou em 1971), permitindo que
esse domínio da linguagem cinematográfica quebre um pouco (mas, não muito) a
perene circunstância de teatro filmado: Sim, pois em seus enquadramentos,
disposição cênica e marcação de atores em cena, este “MacBeth” é magistralmente
teatral.
Teatro, contudo, é tudo o que o filme de Kurzel
quer evitar ser.
Ele quer ser cinema.
Nas elipses da natureza capturadas
aleatoriamente como num improviso da direção de fotografia, na ambientação
aberta que só um generoso orçamento permite, e na privilegiada escolha do
elenco estelar, a produção busca esse objetivo, esquecendo inúmeros outros.
O quê Justin Kurzel não percebe é que
Shakespeare requer ação, uma lição fundamental deixada pelo mestre Akira
Kurosawa em seu inigualável “Trono Manchado de Sangue” (também ele, uma versão
de “MacBeth”), mas que aqui é completamente esquecida: O tom empostado com que
Marion, Fassbender e todo o resto declama os diálogos e monólogos do bardo não
encontra moldura adequada na enfadonha narrativa de Kurzel que tira do texto
toda e qualquer urgência com toneladas de takes dispersivos.
Mal dá para perceber a
quanto Marion Cotillard está sucinta como a sibilante Lady MacBeth, embora
Jeanette Nolan, no mesmo papel no filme de 1948, seja de uma perfeição
incomparável.
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