sábado, 17 de dezembro de 2016

Amor À Flor da Pele

Talvez, o mais bem lapidado exemplar do estilo tortuosamente estético e emocionalmente dilacerante que o diretor Wong Kar-Wai compôs ao longo da carreira, este magnífico “Amor À Flor da Pele” é uma consolidação pessoal de sua verve como cineasta, sendo ele posterior às experimentações de “Amores Expressos” ou “Cinzas do Passado”, por exemplo, e anterior à uma ligeira acomodação consigo mesmo e com sua própria forma de construir uma narrativa, tal qual se deu em “Um Beijo Roubado”, sua estréia norte-americana.
É, portanto, um filme que se beneficia da sorte de estar em um momento específico e frutífero na evolução artística de seu realizador.
Tony Leung e Maggie Cheung (desde já um dos grandes casais do cinema) emprestam suas respectivas excelências interpretativas aos personagens de dois vizinhos de um apertado apartamento na Hong Kong dos anos 1960. Casados, cada qual descobre a infidelidade de seu par (numa manobra graciosa e peculiar da narrativa, os rostos de cada um dos cônjuges dos protagonistas nunca é mostrado, mantendo assim uma certa “idealização do drama”) e, na cumplicidade que compartilham desse lamentável fato, tomam a dolorida decisão de não consumar a forte atração que surge em meio à eles, conforme dividem seguidas situações de desamparo um com o outro.
A forma como esses personagens pairam nas cenas a medida que sua história avança –impelida, em inúmeros momentos, pela inebriante canção “Aqueles Ojos Verdes” –é um comentário irônico acerca da aflição que pesa sobre seus corações.
E Kar-Wai compreende essa angústia em todos os seus pormenores, sejam eles estéticos ou emocionais.
Há um gancho narrativo de tênue sutileza, que relaciona este filme com os eventos nebulosos e fragmentados registrados em “2046-Os Segredos do Amor”, e por mais que Kar-Wai lance mão do personagem de Tony Leung –como protagonista, inclusive –naquele trabalho, as repercussões e desdobramentos deste filme aqui se perdem em seu final propositadamente abstrato.
Como uma poética melancolia, que jamais passará.

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