segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Negócio Arriscado


 Antes de “Top Gun”, antes de “A Lenda”, a chance mais expressiva de Tom Cruise no cinema foi provavelmente a comédia “Negócio Arriscado” que deu a ele, em 1983, uma merecida indicação ao Globo de Ouro de Melhor Ator em Comédia ou Musical (ele perdeu para Michael Caine em “O Despertar de Rita”, um filme mais dramático do que cômico).

Escrito e dirigido por Paul Brickman –com a forte contribuição de Jon Avnet e Steve Tisch na produção, realizadores que sempre apreciaram o minimalismo da negociação em seus projetos –“Negócio Arriscado”, ou “Risky Business”, conta a história do protagonista Joel Goodsen (Cruise) aparentando inicialmente ser essa a história de lubricidade e encrencas de qualquer adolescente com hormônios à flor da pele dos anos 1980; às voltas com sexo e confusões. Entretanto, pouco a pouco, a obra vai impondo certos valores e decisões incomuns, tornando-se muito, muito acima da média.

Filho de pais de classe alta –e, logo, experimentando certa pressão pela graduação com boas notas do alto de seus dezessete anos –Joel acaba ficando com a casa todinha para si quando seus pais resolvem fazer uma viagem de alguns dias. Como era de se esperar –inclusive por seu grupo efusivo de amigos –ele aproveita a chance: Na primeira noite comemora fazendo uma despachada dancinha na sala ao som de “Old Time Rock and Roll” (uma ótima cena que, durante muito tempo, esteve atrelada à Tom Cruise). Na segunda, ele aproveita para rodar pela cidade com o carro de seu pai, um porsch dos mais ostensivos! No entanto, é na terceira noite que os estratagemas realmente audaciosos começam a acontecer: O presunçoso amigo Miles (Curtis Armstrong, de “A Vingança dos Nerds”) telefona para uma garota de programa, para que ela compareça à casa de Joel.

Ato falho: O telefonema, proposital ou não, foi para um travesti (!?), contudo, esse incidente dá à Joel coragem para, na quarta noite, ligar para uma garota de programa de fato. E aí quem dá as caras na sua casa vem a ser a  vibrante e deliciosa Lana (personagem que fez da atriz Rebecca De Mornay, o sonho de consumo de muitos adolescentes por aqueles anos). Mesmo nesse ponto, em que a trama flerta com o clichê sexual de um sem-fim de filmes adolescentes ao estilo “O Último Americano Virgem”, o filme de Brickman não cede ao convencionalismo: Até existe uma breve cena de sexo e de nudez de De Mornay (cortada na maioria das exibições televisivas deste filme, mas mantida –veja só! –nos seus comerciais!), mas logo o filme parte para a continuidade de sua trama. Uma vez experimentada a noitada, Joel tem de pagar Lana na manhã seguinte, contudo, sem dinheiro, ela acaba surrupiando, na surdina, o precioso ovo de vidro que a mãe de Joel guardava, orgulhosa, na sala de estar. Obrigando Joel, assim, a sair à procura da garota de programa na noite seguinte. Ao encontrá-la, porém, Joel acaba salvando-a de entrar em maus lençóis por conta de um desentendimento com seu desprezível cafetão Guido (Joe Pantoliano, de “Os Goonies”, “Matrix” e “Demolidor-O Homem Sem Medo”).

Agora, Joel e Lana têm uma espécie de combinação: Enquanto não tem outro lugar para executar suas ‘atividades’ –suas e de suas amigas, diga-se –Lana usará a casa de Joel para isso, aproveitando o tempo para ser sua “namorada provisória” em todos os sentidos mais favoráveis do termo (!), enquanto se vale do lugar para receber os clientes pagantes de suas colegas; muitos desses clientes, os amigos de escola de Joel, jovens com certo acesso ao dinheiro dos pais (!). O negócio é, deveras, arriscado, mas também lucrativo: Enquanto seus pais não retornam para casa, Joel usa dos conhecimentos teóricos em administração, postos à prova quando muito em testes escolares, para gerenciar as atividades das garotas de programa que Lana colocou debaixo de seu teto, culminando numa festa de arromba agendada para a véspera da chegada de seus pais (!).

Com notável parcimônia, de confusão em confusão, de galhofa em galhofa, o filme vai construindo uma premissa curiosa sobre um empreendedorismo torto, mostrando que, se na superfície, “Risky Business” pode parecer mais um besteirol adolescente daqueles tempos, na sua profundidade, ele não é: Joel, personagem de Cruise, embora tenha lá as atitudes e reações razoáveis de um jovem às voltas com o sexo oposto, está longe de ser um protagonista bobalhão como tantos que povoaram esse gênero (mérito certamente da atuação inteligente, destemida e aguçada de Tom Cruise) e se o roteiro até cisca nos elementos tão comuns à essas comédias (como a prostituição, a nudez e o sexo), ele também deixa com eficiência esses mesmos reflexos condicionados para trás ao compor uma divertida e irônica trama sobre desdobramentos nada ortodoxos para o sonho americano.

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