Sobra personalidade aos filmes concebidos por
Peter Bogdanovich, sobretudo, uma personalidade definida pelo amor ao cinema,
por um impulso cinéfilo que faz dele um precursor de autores referenciais que
só passaram a realizar cinema anos, até décadas, depois dele como Quentin
Tarantino ou até mesmo Martin Scorsese.
Muito do que é “Lua de Papel” vem desse apreço.
Realizado em preto & branco, contado por
meio de planos exuberantes que remetem de pronto aos mestres John Ford e Howard
Hawks, o filme se ambienta nos anos 1930 e relata uma trama graciosa, episódica
de sucessivos golpes em tom de aventura. Longe de emular Frank Capra, a
narrativa de Bogdanovich não deixa de detectar cinismo e desilusão com os quais
tempera singularmente seu enredo.
Para tanto, é durante um velório que tudo
começa.
A pequena Addie (Tatum O’ Neal, de apenas nove
anos, um achado!) perdeu a mãe. Casualmente, surge na cerimônia o viajante Moze
(Ryan O’ Neal, pai de Tatum na vida real e frequente presença nos filmes de
Bogdanovich). Logo, ele tem a criança empurrada para si, já que irá viajar na
direção da cidade onde a menina tem uma tia que cuidará dela.
Levando ela a contragosto, Moze compreende que
Addie testemunhará todas as intermináveis práticas golpistas que ele usa para
ganhar a vida (registradas no roteiro com extrema astúcia e inteligência), no
entanto, é surpreendido por um fato: Pouco a pouco, a própria Addie –após superar
o enfezamento inicial –passa a ser peça crucial de suas malandragens.
Em meio a um road-movie confesso, declarado e
típico, o diretor constrói com habilidade a dinâmica de uma família
disfuncional: A suspeita de que Moze possa ser o pai de Addie se mantem, mas
nunca é aprofundada de fato, ainda assim, há um elo afetivo que surge cuja
ameaça é seu próprio prazo de validade –mais cedo ou mais tarde, os caminhos
trilhados pela dupla de vigaristas levarão à cidade na qual mora a tia de Addiem
selando o fim dessa relação.
Essenciais para o resultado obtido são assim a
maravilhosas atuações da dupla: Ryan O’ Neal, cheio de simpatia e
expressividade, mostra que a atuação fria em “Barry Lyndon” foi, de fato, uma
opção narrativa do diretor, e a pequena Tatum O’ Neal, tirando de letra uma
personagem repleta de complexidades dramáticas conquistou com a tenra idade o
Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.
Justamente pelos rumos conscientes que toma, e
pela empatia genuína que Ryan e Tatum despertam, um dos aspectos mais louváveis
de “Lua de Papel” é a maneira contundente elegante com a qual se desvencilha do
sentimentalismo fácil: Do início ao fim, passando pelo desfecho consciente,
condizente e coerente, o filme de Bogdanovich evita circunstâncias pedantes
para entregar, em vez disso, cinema de primeira qualidade.
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