quinta-feira, 5 de julho de 2018

Lua de Papel


Sobra personalidade aos filmes concebidos por Peter Bogdanovich, sobretudo, uma personalidade definida pelo amor ao cinema, por um impulso cinéfilo que faz dele um precursor de autores referenciais que só passaram a realizar cinema anos, até décadas, depois dele como Quentin Tarantino ou até mesmo Martin Scorsese.
Muito do que é “Lua de Papel” vem desse apreço.
Realizado em preto & branco, contado por meio de planos exuberantes que remetem de pronto aos mestres John Ford e Howard Hawks, o filme se ambienta nos anos 1930 e relata uma trama graciosa, episódica de sucessivos golpes em tom de aventura. Longe de emular Frank Capra, a narrativa de Bogdanovich não deixa de detectar cinismo e desilusão com os quais tempera singularmente seu enredo.
Para tanto, é durante um velório que tudo começa.
A pequena Addie (Tatum O’ Neal, de apenas nove anos, um achado!) perdeu a mãe. Casualmente, surge na cerimônia o viajante Moze (Ryan O’ Neal, pai de Tatum na vida real e frequente presença nos filmes de Bogdanovich). Logo, ele tem a criança empurrada para si, já que irá viajar na direção da cidade onde a menina tem uma tia que cuidará dela.
Levando ela a contragosto, Moze compreende que Addie testemunhará todas as intermináveis práticas golpistas que ele usa para ganhar a vida (registradas no roteiro com extrema astúcia e inteligência), no entanto, é surpreendido por um fato: Pouco a pouco, a própria Addie –após superar o enfezamento inicial –passa a ser peça crucial de suas malandragens.
Em meio a um road-movie confesso, declarado e típico, o diretor constrói com habilidade a dinâmica de uma família disfuncional: A suspeita de que Moze possa ser o pai de Addie se mantem, mas nunca é aprofundada de fato, ainda assim, há um elo afetivo que surge cuja ameaça é seu próprio prazo de validade –mais cedo ou mais tarde, os caminhos trilhados pela dupla de vigaristas levarão à cidade na qual mora a tia de Addiem selando o fim dessa relação.
Essenciais para o resultado obtido são assim a maravilhosas atuações da dupla: Ryan O’ Neal, cheio de simpatia e expressividade, mostra que a atuação fria em “Barry Lyndon” foi, de fato, uma opção narrativa do diretor, e a pequena Tatum O’ Neal, tirando de letra uma personagem repleta de complexidades dramáticas conquistou com a tenra idade o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.
Justamente pelos rumos conscientes que toma, e pela empatia genuína que Ryan e Tatum despertam, um dos aspectos mais louváveis de “Lua de Papel” é a maneira contundente elegante com a qual se desvencilha do sentimentalismo fácil: Do início ao fim, passando pelo desfecho consciente, condizente e coerente, o filme de Bogdanovich evita circunstâncias pedantes para entregar, em vez disso, cinema de primeira qualidade.

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