Não é fácil encarar uma obra de Paul Thomas
Anderson. Filmes como “Sangue Negro” ou “O Mestre” são herdeiros diretos da
filosofia de Stanley Kubrick na qual os enredos corrosivos servem à uma
sondagem impiedosa do homem e de suas pulsões.
Desde “Jogada de Risco”, Anderson dedica o
olhar de sua câmera à essa dramaturgia tão particular, por meio da qual resgata
valores e códigos para estudá-los até que ponto são capazes de definir seus
personagens.
Para Anderson as influências mais positivas têm,
ainda sim, um poder de corrupção.
Vejamos, por exemplo, o protagonista de “Vício
Inerente”, o detetive particular (e maconheiro incorrigível nas horas vagas)
Larry ‘Doc’ Sportello, vivido por Joaquim Phoenix. Passando mais tempo sobre o
efeito do êxtase da maconha do que lúcido, Sportello se incumbe de uma
investigação toda ela pontuada por princípios pessoais: A mulher que ele ama,
Shasta (Katherine Waterston, vista este ano em “Animais Fantásticos e Onde
Habitam”) desapareceu quase que de forma mirabolante, e esse mistério vem
cercado por ocorrência nebulosas e fatos suspeitos que ligam Sportello à um
violento policial com tendências homossexuais (Josh Brolin) e ao amante da
jovem (Eric Roberts), um ricaço por quem ela o trocou.
Durante boa parte da lisérgica e confusa trajetória
à procura de respostas –na qual, paradoxalmente, são as perguntas que mais se
multiplicam –Sportello se defronta com inúmeros outros personagens bastante
indicativos não só do gênero noir com o qual o filme –e certamente o dificílimo
livro de Thomas Pinchon, no qual se baseou –busca uma irmanação e também uma
revisão, mas também da época à qual pertencem, anos 1970, suas inusitadas
posturas intelectuais e ideologias, e do estilo sempre rocambolesco, denso,
desconcertante e humano imposto por seu diretor. Para tanto –e para que tal
trajetória tenha um mínimo de empuxo no que concerne à narrativa –Anderson transforma
as breves aparições de Katherine Waterston em instantes tão belos e surreais,
quanto sensuais, quase tem-se a impressão –e Anderson é bom nisso! –que a cena
seguinte ao surgimento dela será o despertar de algum sonho do protagonista.
O elenco de rostos tão talentosos quanto
conhecidos que Anderson reúne para ilustrar essa via crusis onde a necessidade
de inteligibilidade e dedução se colide com a indiferença e a ausência de austeridade
que caracterizou aqueles tempos é de fazer inveja à qualquer superprodução:
Benicio Del Toro como um advogado cheio das manias; Reese Whiterspoon como uma
procuradora sujeita à algumas ‘fraquezas da carne’; Owen Wilson como um homem
desaparecido que aparece em todo lugar (!); Martin Short como um dentista
amoral e pernicioso.
Tudo isso molda um filme
muito estranho, primoroso na forma com que seu diretor registra o drama humano
que transcorre na tela, mas absolutamente disperso, perdido e tortuoso na
definição do quê, afinal de contas, esse drama humano está a relatar.
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