quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Vício Inerente

Não é fácil encarar uma obra de Paul Thomas Anderson. Filmes como “Sangue Negro” ou “O Mestre” são herdeiros diretos da filosofia de Stanley Kubrick na qual os enredos corrosivos servem à uma sondagem impiedosa do homem e de suas pulsões.
Desde “Jogada de Risco”, Anderson dedica o olhar de sua câmera à essa dramaturgia tão particular, por meio da qual resgata valores e códigos para estudá-los até que ponto são capazes de definir seus personagens.
Para Anderson as influências mais positivas têm, ainda sim, um poder de corrupção.
Vejamos, por exemplo, o protagonista de “Vício Inerente”, o detetive particular (e maconheiro incorrigível nas horas vagas) Larry ‘Doc’ Sportello, vivido por Joaquim Phoenix. Passando mais tempo sobre o efeito do êxtase da maconha do que lúcido, Sportello se incumbe de uma investigação toda ela pontuada por princípios pessoais: A mulher que ele ama, Shasta (Katherine Waterston, vista este ano em “Animais Fantásticos e Onde Habitam”) desapareceu quase que de forma mirabolante, e esse mistério vem cercado por ocorrência nebulosas e fatos suspeitos que ligam Sportello à um violento policial com tendências homossexuais (Josh Brolin) e ao amante da jovem (Eric Roberts), um ricaço por quem ela o trocou.
Durante boa parte da lisérgica e confusa trajetória à procura de respostas –na qual, paradoxalmente, são as perguntas que mais se multiplicam –Sportello se defronta com inúmeros outros personagens bastante indicativos não só do gênero noir com o qual o filme –e certamente o dificílimo livro de Thomas Pinchon, no qual se baseou –busca uma irmanação e também uma revisão, mas também da época à qual pertencem, anos 1970, suas inusitadas posturas intelectuais e ideologias, e do estilo sempre rocambolesco, denso, desconcertante e humano imposto por seu diretor. Para tanto –e para que tal trajetória tenha um mínimo de empuxo no que concerne à narrativa –Anderson transforma as breves aparições de Katherine Waterston em instantes tão belos e surreais, quanto sensuais, quase tem-se a impressão –e Anderson é bom nisso! –que a cena seguinte ao surgimento dela será o despertar de algum sonho do protagonista.
O elenco de rostos tão talentosos quanto conhecidos que Anderson reúne para ilustrar essa via crusis onde a necessidade de inteligibilidade e dedução se colide com a indiferença e a ausência de austeridade que caracterizou aqueles tempos é de fazer inveja à qualquer superprodução: Benicio Del Toro como um advogado cheio das manias; Reese Whiterspoon como uma procuradora sujeita à algumas ‘fraquezas da carne’; Owen Wilson como um homem desaparecido que aparece em todo lugar (!); Martin Short como um dentista amoral e pernicioso.
Tudo isso molda um filme muito estranho, primoroso na forma com que seu diretor registra o drama humano que transcorre na tela, mas absolutamente disperso, perdido e tortuoso na definição do quê, afinal de contas, esse drama humano está a relatar.

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