Nas mãos de um realizador mais acomodado, a
trama de “Inverno de Sangue Em Veneza” em sua simplicidade quase brutal, não
renderia mais que um curta-metragem. Isso porque seu roteiro captura
praticamente a essência de um conto de terror: Aquele momento em que a
banalidade dos dias que se seguem é corrompida por um instante do mais absoluto
pavor, comprometendo assim, tudo o que faremos depois.
Nas mãos de alguém como Nicolas Roeg, essa
premissa serve –como em todos os títulos de sua desigual filmografia, mas
sobretudo os primeiros –para uma sondagem até indiscreta das modificações que
as escolhas do ser humano infligem em seu bem-estar, e o dos outros à sua
volta.
A beleza plástica de Veneza (tão mais bela
quando capturada pelas imagens gélidas, oníricas e sugestivas obtidas por Roeg
que, vale lembrar, era diretor de fotografia) parece ser o lugar perfeito para
John (Donald Sutherland) e Laura Baxter (Julie Christie, belíssima numa
audaciosa cena de nudez e sexo com Sutherland) encontrarem um momento de alívio
após o luto opressor pela morte acidental da filha. Indícios sinistros,
contudo, não deixarão que a passagem do casal pela cidade seja tranqüila.
Na visão sempre desigual de Roeg (e que ele
levou a vários outros projetos nos quais passeou pelos mais variados gêneros)
os detalhes corriqueiros do dia a dia conjugam um cenário rico em que o horror
pode instalar-se e ocultar-se, espreitando a vida de pessoas normais com a
perene ameaça de uma tragédia em curso. Esse clima absolutamente impecável do
qual a direção se vale responde pela grande razão desta obra constar entre os
grandes filmes de terror já produzidos. OK, há outra razão: O susto, repentino
e genuíno, que ele prega no expectador na cena fatídica do encontro com o
suposto “fantasma” da garotinha.
Como em seus outros filmes também, há em Roeg
uma necessidade patológica e filosófica em remover o sentido da jornada de seu
protagonista, arremessando suas certezas e esperanças contra as ironias
maldosas do mundo real.
Aqui, esta postura é, por demais,
amedrontadora!
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