É célebre, especialmente entre os apreciadores
de filmes mais obscuros de vampiros, a cena em que Drácula (Udo Kier), após dar
uma de voyeur e testemunhar às escondidas o rude empregado Mario Belato (Joe
Dalessandro) deflorar a filha mais jovem da família para a qual trabalha sob o
pretexto de livrá-la da virgindade, se esgueira até onde o casal praticava seu
ato sexual, para então lamber o sangue que escorreu no chão.
A desconstrução de um mito do terror parece
ser, para o diretor Paul Morrissey, a mesma base que ele adotou em seu “Carne
Para Frankenstein”, porém aqui, ele se mostra ainda mais sarcástico, corrosivo,
abusado e ligeiramente cruel para com os preceitos de normalidade que norteiam
cada aspecto da premissa clássica.
Em suas mãos, ele faz de Drácula não um sedutor
vigoroso e poderoso como nos retratos de Bela Lugosi e Christopher Lee, mas um
ser fragilizado, doente, convulsivo e dilacerado pela sua maldição –e a interpretação
de Udo Kier (que, por sua vez, também interpretava o Dr. Frankenstein no filme
anterior de Morrissey) não tem qualquer pudor em reconhecer todas as facetas
patéticas que podem decorrer disso.
Em seu castelo na Transilvânia, o sorumbático e
deprimido Conde Drácula amarga os revezes de sua maldição; a ausência de
virgens nos libertinos tempos atuais o encarece do sangue que precisa para
sobreviver, e com isso ele definha dolorosamente.
Seu serviçal, petulante, afeminado e
voluntarioso Anton (Arno Juerging) tem a idéia de arrastá-lo até a Itália, onde
ele acredita, a dedicação tradicionalista aos dogmas religiosos cristãos devem
ter mantido, em algumas famílias da região, as suas raparigas virgens.
É o que se acredita que são as moças solteiras,
filhas do Marquês Di Fiore (vivido pelo grande Vittorio De Sica), embora nada
seja aquilo que aparenta: Pelo menos duas delas (interpretadas pelas despudoradas
Stefania Casini e Dominique Darel), já se engraçam com o empregado vivido por
Joe Dalessandro, enquanto virginal filha caçula (Silvia Dionisio) já está na
sua mira –e o pretexto, para a realização desses filmes, parece ser mesmo para
que Morrissey possa filmar Dalessandro constantemente em cenas de sexo com
essas jovens.
Dessa forma, os sucessivos ataques de Drácula à
essas vítimas em potencial resultam tão ridículos quanto catastróficos –o vampiro
sofre convulsões e vomita incessantemente sempre que suga o sangue que não é de
uma virgem!
Poderia ser uma comédia, não fosse a frieza e o
tom de fatalismo que o diretor impõe continuamente à narrativa, tornando-a um híbrido
estranho e anormal.
Mais do que em “Carne Para Frankenstein”, fica
claro, neste “Sangue Para Drácula” a intenção artisticamente transgressora do
diretor Morrissey e do produtor Andy Warhol, não somente para com o mito dos
vampiros e de Drácula (tratado de forma displicente, sarcástica e impiedosa),
mas para com diversos dogmas da sociedade e da religião –o retrato da família é
atento para com as fissuras que revelam suas hipocrisias e dissimulações –numa obra
pouco interessada em agradar os amantes do gênero e mais dedicada ao propósito
questionador de seus realizadores.
P/S: Repare numa curiosa
ponta, como um dos freqüentadores da taverna local, do diretor Roman Polanski
que, por aquela época, andou fazendo seu próprio filme de vampiro, o também
sarcástico (mas, infinitamente superior) “A Dança dos Vampiros”.
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