domingo, 20 de dezembro de 2015

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças

Joel sofre copiosamente. A razão é uma só: Clementine, sua ex-namorada não só terminou com ele, como também fez uma lavagem cerebral que apagou Joel de sua memória e, por conseguinte, todo o relacionamento que tiveram juntos. Quando se encontram ela nem mesmo o reconhece. 
Inconformado, Joel decide se submeter à mesma experiência e apagar Clementine da sua mente. Entretanto, no meio do processo ele encontra lembranças de Clementine, e da relação que teve com ela, das quais ele não quer se desfazer. Joel então se arrepende e inicia uma fuga desesperada dentro de sua própria mente na vã tentativa de manter uma mínima recordação de Clementine. 
Um roteiro primoroso norteia este filme emocionante, mas que nunca se torna refém das emoções que consegue provocar: Sem a menor sombra de dúvida, o melhor trabalho do diretor Michel Gondri, no qual até mesmo suas duvidosas escolhas cênicas, que muitas vezes remetem a orientação circense de Terry Gillian, surgem significativas para os efeitos propostos pelas cenas lindas de recordação que materializam-se na tela. 
A memória surge como um catalizador das próprias definições humanas. 
Há que se louvar, com insistência, o mérito do roteiro. Escrito pelo quase sempre transgressor Charlie Kaufman, a trama tem toda sua falta de conformismo, toda sua ânsia de não se prender às convenções de narrativa cinematográfica que engessam, em particular, o gênero no qual ele parece pairar: o romance. Todavia, “Brilho Eterno...” é também uma ficção científica, e de uma certa maneira uma comédia, e muitas vezes um drama. É, no fim das contas, um daqueles trabalhos incategorizáveis tal a fluidez com que vai de um gênero à outro, e com a qual se vale, justamente disso, para contar sua história. 
Á frente do elenco, Jim Carrey é surpreendente, mostrando-se muito mais que o primoroso comediante que é: Ele expões suas dores de amor, em cenas de insuspeita sensibilidade, ainda mais arrojadas em termos de interpretação, do que o trabalho magistral que entregou em “O Show de Truman”. 
Kate Winslet, por sua vez, faz uma personagem espalhafatosa, petulante. carregada de histrionismos e talvez, por isso mesmo, cativante. Ela não só interpreta essa personagem, se você reparar, mas também o conceito de idealização dessa personagem, nas memórias do ex-namorado, e por isso mesmo, um registro distinto do que é feito nas cenas que se passam na realidade. É necessário uma intérprete de brilhantismo irrestrito para um trabalho assim. 
Minha cena predileta (embora apontá-la seja de uma grande injustiça para com a maravilhosas outra cenas que se apresentam) é a última lembrança na casa da praia, uma espécie de despedida, onde o filme suscita sentimentos muitos universais acerca do receio e das dúvidas que o sentimento desperta em todos nós. E dos inúmeros motivos porque as lembranças que mantemos são (e devem sempre ser) indeletáveis. 
As repercussões e consequências desse gesto contrário e do amor que Joel por Clementine estão entre as muitas surpresas desta história.

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