quinta-feira, 17 de julho de 2025

Superman


 Há uma sensação curiosa e até deliberada a tomar conta do expectador já nos primeiros minutos de “Superman”: A de que a história que começamos ali a acompanhar já está em progresso e de que a pegamos, por assim dizer, ‘com o bonde andando’. Essa sensação provavelmente é um objetivo proposital da parte do diretor e roteirista James Gunn –como este filme em si é o ponto de partida de mais uma nova empreitada na tentativa de consolidar um Universo DC Comics nos cinemas, à exemplo do Universo Marvel Cinematográfico (a empreitada anterior, capitaneada por Zack Snyder foi um desfile de fracassos), o protagonista já chega habitando um mundo povoado de superseres –os chamados ‘metahumanos’ –alguns dos quais comparecerão sem cerimônia e sem timidez neste filme mesmo.

Detentora dos direitos dos personagens da DC Comics (a maior concorrente da Marvel nos quadrinhos), a Warner Bros Estúdios, na ânsia de finalmente acertar não hesitou em ciscar no terreno do vizinho –e não foi nem a primeira vez: Assim como em 2008, quando chamou o diretor de “X-Men”, Bryan Singer, para realizar “Superman-O Retorno”, a Warner prontamente contratou James Gunn (que na Marvel Studios foi responsável por toda a ótima Trilogia “Guardiões da Galáxia”) não só para encarregar-se deste novo filme do Superman, mas para ser a mente criativa por trás de todo um novo esforço para materializar um Universo DC a partir do zero, a começar, portanto, por seu mais emblemático superherói.

O conceito com o qual Gunn inicia seu filme é arrojado: Ele simula a impressão de ler uma história em quadrinhos real, na qual encontramos um herói já estabelecido (sem histórias de origem por aqui) e cujos percalços já flagramos em andamento. Não há exatamente um início e a miríade de narrativas que aqui parecem se deflagrar certamente não encontrarão, tão cedo, um desfecho. O maquiavélico Lex Luthor (Nicholas Hoult, num registro austero que felizmente deixa para trás tentativas pífias de agregar humor ao personagem) tem a intenção de minar a popularidade de Superman (o ótimo David Corenswet) para aí então matá-lo. Nos primeiros minutos de filme ele já alcança esse intento: Do alto de seus espantosos poderes, Superman acaba derrotado por um adversário que Luthor encomendou, um certo Martelo da Borávia.

No entanto, os planos de Luthor vão mais longe: Ele quer encontrar o esconderijo de Superman (neste caso, no Ártico, onde a Fortaleza da Solidão alberga os resquícios da tecnologia kriptoniana), voltar a opinião pública (que, por enquanto, o adora) contra ele, para aí então, confiná-lo numa prisão especial onde planeja tirar sua vida com sadismo.

O Superman, por sua vez, faz o que todas as encarnações anteriores do personagem buscaram fazer: Praticar o bem e salvar o máximo de pessoas –a diferença é que, desta vez, esses objetivos não parecem distorcidos por maneirismos de estilos ou por vícios de linguagem.

É bem verdade que a narrativa se atropela e ameaça se perder em meio à tantas informações, tantas idas e vindas e tantos personagens com considerável background a se desenvolver, entretanto, James Gunn é hábil o suficiente para nunca perder o foco no cerne da questão narrativa, a rixa existencial e pessoal entre Superman e Lex Luthor, bem como a relação, ainda cautelosa e hesitante, entre o próprio Superman e sua identidade civil, Clark Kent, com a repórter Lois Lane (a linda Rachel Brosnahan). Assim, chega até a ser chocante que justamente o elemento que torna este Superman tão diferenciado em relação às últimas transposições para o audio-visual seja justamente aquele elemento que sempre deveria ser atrelado à ele: A luz, a esperança e a inspiração que, como herói, o Superman sempre representou. No papel de Superman/Clark Kent, David Corenswet se ampara mais na lição primordial deixada pelo saudoso Christopher Reeve e menos na amargura inapropriada com a qual Henry Cavill foi obrigado a carregar seu Superman. Aqui, por diversos meios e pelos mais variados fatores, Superman volta a ser símbolo de tudo o que almejamos como seres humanos –e essa mensagem se vê muito bem contextualizada num filme que não omite seus desdobramentos políticos (Superman acaba mal visto publicamente por tentar parar um guerra SEM as devidas autorizações governamentais), suas complexidades factuais (diante de outros heróis com poderes, ele precisa se posicionar e se provar enquanto um defensor da justiça) e nem a ambiguidade de suas ideologias (desvencilhando-se do perigo de enaltecer um ser supremo, o diretor retrata Superman, mesmo com seus poderes, nas mais diversas circunstâncias de vulnerabilidade).

O resultado desta demonstração íntegra e intrínseca de pleno conhecimento do material-fonte (os quadrinhos) é um filme vibrante, colorida, esperançoso, agitado e francamente promissor. Ao contrário de 1979, hoje em dia, não basta Superman provar que o homem pode voar, ele precisa mostrar que seus valores e tudo aquilo que representa (e que faz dele o maior de todos os superheróis) são convicções inabaláveis retradas pelos mais talentosos e sinceros artesãos de cinema.

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