O diretor Steve Sodenberg costuma encarar seus
trabalho com uma postura autoral e desafiadora. Tão mais desafiadora a medida
que sua consolidação como grande realizador, com passar dos anos, passou a
permitir.
Por isso mesmo, é bastante interessante o quê
ele faz com um filme de ação propriamente dito, e propriamente construído na
estrutura formal dos filmes comerciais, às quais nem os mais tarimbados artesãos
costumam escapar. Como era de se esperar, ele dá um outro tipo de sensibilidade
às cenas de ação, impregnando-as de auto-questionamento, e permitindo-se rir –nas
entrelinhas –desse cinema tão descerebrado.
“Haymire” parte de uma série de entrechos
nebulosos, para com o inevitável flashback, iniciar um recapitulação que
ordenará e explicará todos os acontecimentos –e no processo, abrir margem para
o desenrolar da ação. A questão, aqui, é levar a uma observação distinta da
inércia tradicional que configura um filme de ação: Sodenberg tem, portanto,
uma visão autoral sobre Gina Carano, o elemento primordial dentro de toda a
ação deflagrada –os movimentos, o humor manifestado conforme a excitação ou
frustração do momento, a coreografia das lutas, a maneira como paira pela
geografia, ora urbana, ora natural, do filme; tudo se passa ao redor dela,
ratificando sua condição intransformável de heroína de ação –e potencializando,
pelo fato dela ser mulher (e bela) o fetiche que pouco a pouco Sodenberg
descortina em sua narrativa. E por falar em narrativa, Sodenberg parece deitar
e rolar com as possibilidades da manipulação dentro do cinema que vão surgindo
cena a cena. Isso mantém uma elegância que diferencia “Haywire” das meras e
usuais tentativas de se copiar a “Trilogia Bourne”, o quê, pouco
disfarçadamente, é o que o roteiro teve intenção de fazer, e que teria rendido
uma bela porcaria não tivesse o produtor encontrado Sodenberg pela frente.
Ele agracia o filme com sua direção humanamente
reflexiva e sarcasticamente inflexiva, e com um elenco inacreditável (Ewan
McGregor, Channing Tatum, Michael Douglas, Michael Fassbender, Antonio
Banderas, Bill Paxton, Mathieu Kassovitz, Michael Anganaro) que cerca a
inexperiência de Gina como atriz por um sem fim de coadjuvantes histriônicos e
diversificados fazendo a quase inexpressividade dela soar como pontual
sensatez.
Coisa de gênio.
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