terça-feira, 24 de novembro de 2015

A Dama do Cine Shangai

Falar sobre "Que Horas Ela Volta?" me deixou com uma vontade de discorrer mais acerca do nosso cinema nacional, que acredito, não teve muito espaço por aqui ainda.
Vou aproveitar, então, para falar sobre um filme completamente diferente da emotiva e elogiada obra com Regina Casé.
Datado de 1987, "A Dama do Cine Shangai" é um trabalho não só absurdamente diferente, com também nasceu num contexto completamente diferente (e é interessante perceber o quanto a época e o local de gestação do projeto influi no filme e na nossa percepção dele, sobretudo no que diz respeito ao nosso cinema): Eram anos 1980, as bilheterias ainda eram ocasionalmente tomadas pelas pornochanchadas e pelos filmes da Boca do Lixo (e para o bem e para o mal, isso definiria os paradigmas comerciais do cinema nacional -um fantasma que demoraria muito para parar de assombrá-lo), haviam os filmes dos Trapalhões (também sucessos de bilheteria), e as produções oriundas da extinta Embrafilme, que possuíam forte aspecto autoral, revelando-se difíceis para o público.
Esse cenário criava um abismo gigantesco e contrastante entre as facetas do nosso cinema naquele período: Ou o público tinha filmes de apelo demasiado erótico, ou demasiado infantil. Ou contentava-se com trabalhos popularescos, ou com obras pouco palatáveis.
Haviam exceções; filmes que buscavam uma abordagem mais acessível ao público, trabalhando gêneros de cinema com qualidade, mas era isso que eles eram: Exceções.
No ano de 1987, "A Dama do Cine Shangai" era uma dessas. Ex-boxeador e corretor de imóveis, Lucas (Antonio Fagundes) é um protagonista carregado daquele niilismo que os personagens de Humphrey Boggart expressavam tão bem; e aí já tem-se a dica de qual caminho este filme de Guilherme de Almeida Prado quer seguir (caso o expectador já não tenha captado a dica óbvia e explícita de seu título, remetendo diretamente à "Dama de Shangai" de Orson Welles): o film noir.
Ao entrar num cinema, menos para ver o filme em cartaz, e mais para usufruir do ar condicionado em meio àquela noite de escaldante calor paulistano, Lucas conhece, em meio à plateia, uma linda mulher (Maitê Proença, hipnótica de tão linda) cuja imensa semelhança com a atriz do filme aparentemente lhe passa despercebido. Mas não sua beleza: Ele não tarda a tentar cortejá-la, e isso o leva, nos dias seguintes a uma série de encontros, desencontros e quipróquos, através do quais, entre outras coisas, ele será acusado de um crime que não cometeu, enquanto planeja livrar-se de todos esses revezes para ter um relacionamento satisfatório com ela.
O senso referencial do filme é interessante, levando-se em conta o pouco (ou nada) que o cinema nacional realizou nesse sentido, ainda que nem se compare aos trabalhos brilhantes (muitos deles do mesmo período) realizados por Brian De Palma. E a ambientação, sobretudo nas cenas noturnas, banhadas por uma luz oblíqua de neon, é envolvente, interessante.
Como femme fatalle, Maitê Proença é provavelmente a escolha perfeita (somente uma Vera Fischer, num dia inspirado seria capaz de rivalizar com ela em beleza, provocação e magnetismo), uma pena que sua cena de nudez seja breve demais. Já, Antonio Fagundes é de uma excelência à toda prova, sólido como o protagonista típico de uma trama onde nada será o que parece ser.
Infelizmente, o roteiro e a direção de Almeida Prado não correspondem à competência do seu par central, deixando muito a desejar, tecendo diálogos que vão do reverente ao ridículo, e criando tramas paralelas que confundem toda e qualquer elucidação, sem nunca levar a um desfecho que as encerre satisfatoriamente.

Como eu disse lá em cima, tudo é uma questão de contexto e, para um público, cuja média de filmes nacionais à disposição incluía trabalhos eróticos com relapsa noção de cinema, os tropeços de Guilherme de Almeida Prado, protagonizados pelo competente Fagundes e por uma estonteante Maitê Proença estavam bom demais. Vai ver, isso explica o prêmio de Melhor Filme no Festival de Gramado daquele ano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário