Antes de qualquer coisa, todo aquele que se
enveredar pelos caminhos estóicos aos quais o magnífico filme de Jacques
Rivette o conduz, deve saber que é necessário ajustar seu próprio tempo interno
ao andamento particular e à duração intimidadora do filme. Algo até simples de
ser feito, já que o diretor compôs um deleite cinematográfico. Rivette
precisava mesmo de um belo incentivo para convencer o expectador a encarar as
quatro horas de “A Bela Intrigante”.
Com o perdão das cinéfilas, ele encontrou o quê
procurava deixando a maravilhosa Emmanuelle Béart nua em cena durante boa parte
dessa metragem.
Mas é claro que seu filme vai além disso. O
comentário é mais para tirar, vamos dizer, o ‘elefante branco da sala’.
A longa e intrínseca dissertação de Rivette
sobre os meandros da arte começa, sem a menor pressa (como era de se esperar)
com uma curiosa encenação: Nicolas e Marianne fingem uma situação conflituosa
meio celebridade/papparazi para duas turistas americanas.
Ao seu jeito muito orgânico e muito ‘novelle
vague’, Rivette já dá uma dica ao público: Seus personagens trazem uma veia
artística cuja máscara, quando cai, revela haver sempre outra por detrás. Nicolas
e Marianne são, na realidade, namorados. Ele é apaixonado por arte, e admira
particularmente o artista que irão encontrar, Edouard Frenhofer.
Ela era, até a pouco tempo, dependente dele,
por razões que mais tarde serão esclarecidas, mas já dá passos grandes em
direção à sua independência.
O ciclo de
afastamento, pode-se dizer, se completa quando Frenhofer enxerga em
Marianne (uma perturbadoramente linda Emmanuelle Béart, diga-se) a chance de
retomar uma obra que havia abandonado a dez anos atrás: La Belle Noiseuse, que
pode vir a ser sua última obra-prima.
Inicialmente relutante, Marianne concorda em
submeter-se às sessões contínuas em que o artista tentará captar a obra que
imaginou na tela a partir dos desenhos de seu belo corpo nu.
Ao longo do processo, artista e modelo precisam
vencer seus pudores e suas barreiras, o quê promove uma transformação nas
dinâmicas com os outros personagens em sua órbita.
E esse processo revela-se visceral: Ambos
experimentam um evoluir das mais distintas emoções. Intimidação. Irritação.
Frustração. Vazio. Indignação. Resignação. Negação. Desespero. Compenetração.
Exuberância. Admiração. Convicção. Graça. Transcendência.
Por meio desse estudo meticuloso e implacável,
Rivette lança um olhar cirúrgico, ainda que não desprovido de carinho, aos
seres que povoam o universo das artes e às desiguais dicotomias que se
estabelecem (e não raro, se transformam) em meio à pessoas que convivem de
perto com o ato complexo e passional da criação artística.
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