A paixão é tão predominante nos temas do
espanhol Pedro Almodóvar quanto a cor vermelha o é em sua encenação –e,
provavelmente, pelas mesmas razões.
Em sua postura autoral, Almodóvar logrou levar
ao amplamente discorrido assunto do romance a sua própria percepção mundana do
sentimento, e por meio desse caminho tateou uma busca por seu próprio estilo
que, como sabemos, revelou-se espalhafatoso e passional desde o inicio.
Se isso chocava as platéias lá nos anos 1980,
quando o espanhol ainda destilava uma verve muito mais despudorada e afetada em
obras como “Labirinto de Paixões” ou “Ata-Me”, o tempo tratou de trazer-lhe
mais serenidade, assim como um certo refinamento cinematográfico.
É com essa bagagem que Almodóvar chegou então à
“Fale Com Ela”, de 2002, que ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original –um
prêmio que, de uma certa maneira, acaba sendo mais significativo para sua
carreira do que o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro conquistado por “Tudo Sobre
Minha Mãe”, em 2000.
Isso porque algo mudou em Almodóvar, e podemos
percebê-lo através da delicada e inusitada trama deste filme algo
surpreendente: Pesquisador argentino (o espetacular Dario Grandinetti),
enamorado de uma toureira espanhola (Rosário Flores), testemunha um acidente
grave envolvendo sua amada nas arenas. A jovem entra em coma, e no hospital
para o qual é enviada, ele acaba conhecendo um jovem enfermeiro (Javier Câmara)
apaixonado por uma jovem e bela bailarina (Leonor Watling) também em estado
comatoso.
Eis uma das primeiras sacadas fenomenais do
filme: Os dois relacionamentos, que em princípio eram baseados na palavra, e
orientados pela personalidade das mulheres –como, aliás, também o eram, antes
deste trabalho, as narrativas de Almodóvar –agora, se baseiam no silêncio e na
voz masculina.
A história vai e vem no tempo esclarecendo os
meandros dos dois relacionamentos e reservando algumas surpresas ao final.
Almodovar mais uma vez desfila seu estilo peculiar na forma debochada com que
expõe as relações humanas, contestando ações que, sob o viés de cineastas mais
convencionais, surgiriam como atitudes reprováveis, mas que aqui ganham
justificativas sentimentais e até mesmo primorosas metáforas metalinguísticas
–o pequeno curta-metragem mudo mostrado dentro da narrativa, “O Amante
Minguante”, estrelado pela maravilhosa Paz Vega, é um jóia de preciosidade.
Em meio à impetuosa e passional filmografia de
Almodovar, este é um de seus trabalhos mais tocantes.
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