Francis Ford Coppola sempre falou que, durante
a realização de “O Poderoso Chefão”, muitos viam o projeto como algo tão
arriscado que a possibilidade de fracasso era vista como certa. Foi uma
surpresa, então, quando o épico-gangster de Coppola se tornou um sucesso de
bilheteria e crítica.
Anos depois, o diretor Coppola –provavelmente,
buscando fazer uma média com os estúdios que bancaram algumas de suas ousadias
–enveredou por um projeto que julgava ser de fácil apelo de público –logo, um
sucesso –entretanto, ocorreu o inverso, amargando um inesperado fracasso. Esse
projeto tratava-se de “O Fundo do Coração”, um romance musical, cantado em tom
jazzístico pela voz rouca e de timbres quentes de Tom Waitts (acompanhado por
Crystal Gayle), e que registrava, num caleidoscópio de cores berrantes, os
altos e baixos na relação de Frannie (Teri Garr, tão deliciosa aqui quanto em
“O Jovem Frankenstein”, de Mel Brooks) e Hank (Frederic Forrest, o cozinheiro
neurótico de “Apocalypse Now”).
Quando o filme se inicia ambos estão eufóricos
durante a comemoração de cinco anos de casamento. Mas, logo fica claro que os
dois não se encontram em sintonia: Frannie dá de presente a Hank uma passagem
para Bora-Bora; Hank dá de presente à Frannie o certificado da compra de sua
casa. Ele quer sossego. Ela quer movimento.
Essas primeiras cenas são pontuais em revelar
antagonismos que os frustram enquanto casal.
Filmando nos cenários (concebidos pelo cenógrafo
Dean Tavoularis) de seu próprio estúdio de então, a Zoetrope, Coppola obteve
algo do qual ele se vale o tempo todo de filme: Controle absoluto da encenação.
É por isso que ele dispõe de todos os recursos
possíveis (iluminação; cores; figurinos; justaposição de cenas; detalhes
cenográficos maiores ou menores) para estabelecer –num registro muito longe do
real –o abismo sentimental que afastará Frannie e Hank.
Logo, eles buscarão uma satisfação em outros
parceiros casuais; a belíssima garota de circo interpretada por uma fulgurante
Nastassja Kinski, no caso de Hank, o sedutor e galante garçom/cantor de
restaurante vivido pelo saudoso Raul Julia, no caso de Frannie.
Todavia, é perceptível na narrativa, que
acompanha os percalços românticos dos dois quase em paralelo, que Frannie e
Hank vão se reencontrar novamente e, até o fim do filme, rever sua tumultuada
relação.
Há algo da melancolia estética, artesanal e
lírica de Federico Fellini no modo como Coppola conduz este filme, dando vazão
a um romantismo terno e deslavado –tipicamente italiano –que ele certamente
precisou reprimir na saga da família Corleone. Há também um registro bastante
norte-americano, conferido pela música onipresente e pelos neons e luzes
ofuscantes da Las Vegas recriada em estúdio.
É uma experiência e tanto esta que Coppola
almejou para seu filme, no qual as cenas se interligam com a sinergia
sentimental de um bom álbum musical ou nas transições de linguagem teatral, e o
acabamento visual, não raro, revela irrestritos propósitos narrativos. Mas o
gosto de Coppola mostra-se muito refinado para o público, de paladar mais
mundano e popularesco, e por isso, o filme soa elitista embriagado com sua
própria beleza –um problema que voltaria a ocorrer com Coppola também em
“Cotton Club”.
Mesmo assim, pode-se dizer,
hoje, que a cena em que Nastassja Kinski dança dentro de uma taça gigante
–recriada à exaustão por Dyta Von Teese –é um momento clássico.
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