domingo, 14 de maio de 2017

Manchester À Beira - Mar

Na cena que abre “Manchester À Beira-Mar” vemos uma conversa capturada de maneira corriqueira –num barco em movimento, um rapaz e seu sobrinho discutem com quem a criança escolheria ficar numa ilha deserta e a criança, a despeito dos contínuos argumentos convincentes que seu tio lhe dá, insiste em escolher o pai –mas, cujo mote será de importância fundamental à sua premissa.
O corte seco e abrupto (como são secos e abruptos, aliás, todos os cortes que a montagem realiza) salta um considerável período de tempo; e isso, aos poucos ficará bem claro.
O jovem que era o tio, Lee (Casey Affleck, vencedor do Oscar de Melhor Ator) trabalha como zelador consertando defeitos técnicos num prédio cheio de pessoas chatas em outra cidade.
A notícia da morte do irmão (interpretado por Kyle Chandler) adiciona mais angústia em sua já melancólica rotina.
No regresso à sua cidade-natal, Manchester, uma sensação de desconforto também retorna, junto com uma série de flashbacks traumáticos que irão revelar o quê o afastou do lugar, e porque, sob inúmeros aspectos, Lee será incapaz de permanecer por lá.
O destino, porém, tem suas maneiras de se mostrar irônico: Antes de morrer, seu irmão, Joe, deixando definido em testamento que seria Lee o tutor de Patrick (o jovem Lucas Hedges numa boa atuação), seu sobrinho, agora um adolescente com dezessete anos.
A narrativa do diretor e roteirista Kenneth Lonnergan contrapõe então o passado que contém a tragédia que modificou tudo (em meio ao qual percebemos a sutil diferenciação da interpretação de Casey Affleck pontuando o “antes” e o “depois” para seu personagem), na forma de lembranças quase intrusivas e fantasmagóricas, e o presente que exige uma resolução a qual o protagonista, em sua perplexidade ao reencontrar seus transtornos mais inapeláveis, não consegue encontrar.
Debruçado nesses elementos, não haveria como o trabalho de Lonnergan evitar o foco no elenco, e ele revela-se aqui, digno do centro das atenções: Todos estão magnificamente bem conduzidos e orientados, com destaque para a breve, mas pra lá de significativa participação da talentosa Michelle Williams no papel de Randi a esposa de Lee –é com ela, por sinal, a cena mais marcante e emblemática de “Manchester Á Beira-Mar”, quando ela e Lee se reencontram e ensaiam uma dolorosa tentativa de exorcizar todas as suas dores e ressentimentos; é onde fica mais nítido o primor dos intérpretes, a maneira objetiva e lúcida com que Casey Affleck consegue trabalhar a expressão das aflições de seu personagem, e a sutileza espetacular com que o diretor soube calibrar esses fatores.
É um filme dolorido e triste, como poucos que o cinema norte-americano se dispõe a fazer, e a excelência com que é realizado por vezes o transforma numa das obras mais notáveis do ano.

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