Na cena que abre “Manchester À Beira-Mar” vemos
uma conversa capturada de maneira corriqueira –num barco em movimento, um rapaz
e seu sobrinho discutem com quem a criança escolheria ficar numa ilha deserta e
a criança, a despeito dos contínuos argumentos convincentes que seu tio lhe dá,
insiste em escolher o pai –mas, cujo mote será de importância fundamental à sua
premissa.
O corte seco e abrupto (como são secos e
abruptos, aliás, todos os cortes que a montagem realiza) salta um considerável
período de tempo; e isso, aos poucos ficará bem claro.
O jovem que era o tio, Lee (Casey Affleck,
vencedor do Oscar de Melhor Ator) trabalha como zelador consertando defeitos
técnicos num prédio cheio de pessoas chatas em outra cidade.
A notícia da morte do irmão (interpretado por
Kyle Chandler) adiciona mais angústia em sua já melancólica rotina.
No regresso à sua cidade-natal, Manchester, uma
sensação de desconforto também retorna, junto com uma série de flashbacks
traumáticos que irão revelar o quê o afastou do lugar, e porque, sob inúmeros
aspectos, Lee será incapaz de permanecer por lá.
O destino, porém, tem suas maneiras de se
mostrar irônico: Antes de morrer, seu irmão, Joe, deixando definido em
testamento que seria Lee o tutor de Patrick (o jovem Lucas Hedges numa boa
atuação), seu sobrinho, agora um adolescente com dezessete anos.
A narrativa do diretor e roteirista Kenneth
Lonnergan contrapõe então o passado que contém a tragédia que modificou tudo
(em meio ao qual percebemos a sutil diferenciação da interpretação de Casey
Affleck pontuando o “antes” e o “depois” para seu personagem), na forma de
lembranças quase intrusivas e fantasmagóricas, e o presente que exige uma
resolução a qual o protagonista, em sua perplexidade ao reencontrar seus
transtornos mais inapeláveis, não consegue encontrar.
Debruçado nesses elementos, não haveria como o
trabalho de Lonnergan evitar o foco no elenco, e ele revela-se aqui, digno do
centro das atenções: Todos estão magnificamente bem conduzidos e orientados,
com destaque para a breve, mas pra lá de significativa participação da
talentosa Michelle Williams no papel de Randi a esposa de Lee –é com ela, por
sinal, a cena mais marcante e emblemática de “Manchester Á Beira-Mar”, quando
ela e Lee se reencontram e ensaiam uma dolorosa tentativa de exorcizar todas as
suas dores e ressentimentos; é onde fica mais nítido o primor dos intérpretes,
a maneira objetiva e lúcida com que Casey Affleck consegue trabalhar a
expressão das aflições de seu personagem, e a sutileza espetacular com que o
diretor soube calibrar esses fatores.
É um filme dolorido e
triste, como poucos que o cinema norte-americano se dispõe a fazer, e a
excelência com que é realizado por vezes o transforma numa das obras mais
notáveis do ano.
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