sexta-feira, 23 de junho de 2017

A Pele Que Habito

A trajetória de Pedro Almodóvar como cineasta é constituída por fases: Temos a fase inicial de sua carreira, pontuada pelos trabalhos mais transgressivos e alternativos (como “Pepi, Luci, Bom”, “Labirinto de Paixões”, “Maus Hábitos”, “Matador” e “A Lei do Desejo”), nos quais ele moldou seu estilo extravagante sem muitas das amarras que vieram depois; essa fase foi seguida de um inevitável amadurecer, quando ele adotou uma elegância maior como contador de histórias, deixando seus filmes menos ácidos e ofensivos, e mais ferinos e acessíveis (como “Mulheres À Beira de Um Ataque de Nervos”, “Ata-Me”, “De Salto Alto”, “A Flor do Meu Segredo”, “Kika”, “Carne Trêmula” e por fim “Tudo Sobre Minha Mãe”), essa fase conseqüentemente correspondeu também ao início de sua consagração junto à crítica.
Sua fase seguinte, como diretor veterano, incluiu alguns de seus melhores trabalhos (“Fale Com Ela”, “Volver”, “Abraços Partidos”), abrindo margem para uma possível reinvenção.
Difícil dizer é se tal reinvenção chega, de fato, com este quase radical “A Pele Que Habito” –tão distinto ele é, na filmografia de Almodóvar (embora continue contendo temas, orientações e propósitos que lhe são caros), que mais parece um rompante singular de criação do que a pista para um novo caminho.
Cirurgião espanhol (Antonio Banderas, na última de diversas colaborações com o diretor) pioneiro no estudo de pele transgênica guarda dentro de sua isolada mansão uma estranha prisioneira: Uma jovem (Elena Anaya, a Doutora Veneno de “Mulher Maravilha” num papel bastante corajoso) que a princípio parece ser só mais uma cobaia humana para seus bem sucedidos experimentos.
Não é: Almodóvar, com sua condução tradicionalmente corriqueira e atenta às nuances mais banais como indicativos perenes da peculiaridade de seus personagens (ainda que desta vez, ele tenha substituído as habituais cores berrantes de sua encenação por uma paleta bem mais contida e discreta), irá regressar, num audaz flashback, alguns anos no tempo e contará a história de Vicent (Jan Cornet), rapaz que inadvertidamente irá se envolver casualmente com a perturbada Norma (Bianca Suárez), filha do cirurgião interpretado por Banderas.
Conforme o passado das personagens vai se esclarecendo, surpreendentes e, por que não, aterradoras revelações vão sendo feitas a respeito da cativa e de seu captor.
Um admirável e perceptível salto de Pedro Almodóvar em direção a uma sofisticação que antes não parecia ter qualquer prioridade em sua carreira como autor, este curioso e francamente perturbador “A Pele Que Habito” despe-se do colorido extravagante que predominava em seus filmes para envolver, num ambiente de sobriedade que deve enganar muitos desavisados, esta sua versão muito pessoal e particular de "Frankenstein" com uma ousadia que lhe é peculiar na forma com que discute, entre outras coisas, as fronteiras do masculino e do feminino.
Tal exercício imaginativo rendeu o seu melhor filme desde "Volver".

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