quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Um Plano Simples

À época, não apenas o falecido ator Bill Paxton como também o diretor Sam Raimi –anos antes de dirigir a Trilogia “Homem-Aranha” –tinham dificuldade para expor seus talentos ao público e à crítica; Paxton estava atrelado aos personagens histriônicos com algo de engraçado, que ele viveu em “Aliens-O Resgate”, “Quando Chega A Escuridão” e “O Predador 2”, o quê normalmente lhe relegava ao cargo de coadjuvante (e, não raro, o aprisionava num único papel); já Raimi estava a uma década digerindo a repercussão do cult “Evil Dead”, às voltas com suas estranhas continuações –ele havia feito também o notável “Darkman-Vingança Sem Rosto” e seu último trabalho, antes de hiato de tempo considerável, havia sido a irregular homenagem aos faroeste spaghetti “Rápida e Mortal”, com Sharon Stone.
A chance para ambos, ator e diretor, mostrarem o alcance de suas capacidades veio com “Um Plano Simples”, adaptado do livro de Scott Smith pelo próprio autor com um roteiro fenomenal.
Na trama, que se inicia numa sutil narração em primeira pessoa, descobrimos que a rotina e a mediocridade da vida numa cidadezinha esbranquiçada de neve pesa sobre Hank –papel que Bill Paxton incorpora com minúcia e austeridade inéditas em sua carreira.
Numa manobra narrativa que irmana esta produção à “Fargo”, dos Irmãos Coen, lançado poucos anos antes (e com o qual este belo trabalho guarda, de fato, algumas semelhanças que vão além da ambientação gélida, o visual branco monocromático e a modernização do suspense noir), o diretor Raimi estabelece a constante pontuação de ironia e crueldade do filme ao iniciar a premissa com um avião caído no meio da neve.
A chance de Hank escapar de sua vida medíocre está lá: Dentro desse avião, uma maleta de dinheiro, fruto provavelmente de uma venda de drogas, parece estar à disposição dos afortunados que primeiro achá-la. E eles vêem a ser Hank, seu irmão Jacob (Billy Bob Thornton, numa performance estupenda) e o amigo dele Lou (Brent Briscoe).
Como o título sugere, o procedimento para que todos se dêem bem é de uma simplicidade irresistível, e tal plano é incentivado e acrescido de opiniões e sugestões incisivas pela esposa de Hank, Sarah (Bridget Fonda, cujo rosto de boa moça esconde a personagem mais manipuladora da trama).
E, de novo, há uma curiosa analogia para com “Fargo”: Sarah está grávida, assim como a protagonista de Frances McDormand naquele filme –na visão concordata de ambos os realizadores (Raimi e os Coen) parece haver uma concessão entre os habitantes desses enredos sórdidos, onde suas convicções se enfraquecem diante de uma mulher e seu poder singular de gerar a vida; e essa concessão pode ser usada em favor da justiça (como em “Fargo”) e em prol da ganância pessoal (como aqui).
A decisão conjunta de todos é que Hank guarde o dinheiro por um tempo –pelo menos, um ano –e depois, todos o dividirão e farão aquilo que quiserem.
Mas, Lou não permite que esse plano siga com tranqüilidade: Beberrão, endividado e inconveniente, ele quer dinheiro o quanto antes e, diante das negativas que eventualmente recebe, se torna mais e mais instável, ameaçando o comprometimento do plano (e até mesmo usando isso como chantagem).
Isso e mais o aparecimento de alguns traficantes disfarçados de policiais –e muito interessados em reaver o dinheiro –mostram a eles como seu plano, antes tão simples, tinha potencial de sobra para se complicar.
Demonstrando habilidade em uma percepção adulta para com o traquejo dramático da tensão –que suas obras no gênero de terror e de fantasia jamais dariam indicação que ele tinha –Raimi conduz brilhantemente este trabalho envolvente e palpitante, onde ele contrapõe as personalidades de Hank e Jacob, cada um magnificamente defendido por seu intérprete (Thornton chegou a ser indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante), como os grandes catalizadores das situações que surgem.
Terminando de maneira surpreendente nas mesmas cenas com as quais se iniciou, “Um Plano Simples” assombra o expectador com um desfecho que amarra os acontecimentos do início de uma forma atroz, genial e perfeita para os propósitos da trama e do próprio gênero em si: O film noir, como atestam os grandes realizadores –mesmo os pós-modernos –trata quase sempre da queda sem retorno, sem folga e sem ressalvas em um grande abismo moral.

“Há dias em que eu consigo não lembrar de nada. Nem do dinheiro. Nem dos assassinatos. Nem de Jacob. Dias em que eu e Sarah conseguimos fingir ser pessoas normais. Mas esses dias... são raros.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário