Ainda que seu trabalho mais conhecido (e
provavelmente melhor) continue sendo o ótimo “O Clube da Felicidade e daSorte”, dos anos 1990, o diretor Wayne Wang nunca deixou de ser um realizador
de sensível personalidade.
Como em “Sem Fôlego” –uma continuação do drama
“Cortina de Fumaça” que é quase uma colagem de improvisos cênicos –ele exerce
algum experimentalismo ao mesmo tempo que, ao empregar um conhecimento
aprofundado do processo de filmagem, ostenta certa serenidade neste “O Centro do
Mundo”.
Wang contrapõe uma encenação despojada
(tateando breve e atrevidamente momentos de erotismo e até pornografia) com uma
linguagem orgânica e solta possível graças ao registro em câmera digital.
Richard (Peter Sarsgaard) e Florence (Molly
Parker) são, em princípio, dois estranhos, mas estão dividindo o mesmo quarto
em Las Vegas. Não são namorados. Nem amigos; mal sabem um do outro. Eventuais
flashbacks tratam de revelar o que fazem lá: Ele é um programador de
computadores milionário (embora não pareça). Ela, uma stripper (embora
–conforme o próprio Richard em certo momento afirma –também não pareça).
Eles se conhecem e, a despeito da ligeira
inconveniência do contato, passam a se encontrar com alguma freqüência. Ela não
sabe definir se ele é, para ela, uma espécie de cliente ou um amigo real. Ele
parece gostar dessa indefinição e a convida para passar um fim de semana
naquele quarto de hotel em Las Vegas, onde grande parte do filme se dará.
Florence estipula algumas regras a serem
seguidas, pois afinal, embora ele a esteja reembolsando por esses dias de
trabalho perdido, ela não é –como costuma afirmar –uma prostituta. Contudo,
essas regras (não beijar na boca; sem penetração; disponibilidade plena somente
das 10:00 da noite até às 2:00 da madrugada) estão sujeitas à torção dos
acontecimentos.
Ao longo dos dias estranhos que se seguem, suas
personalidades parecem melhor se esboçarem, a despeito de uma das regras de
Florence, de não discutir sentimentos. Richard expõe aspectos de seu histórico
familiar e afetivo, o quê passa a explicar um pouco de sua carência, de sua
inadequação, e até de seu isolamento. Para ele, estar diante de uma tela de
computador –o que ele faz sempre –não é estar sozinho, mas sim conectado com
todos. Para ele, ali é o centro do mundo.
Florence, por outro lado, tem consciência do
quão diferente é o mundo em que ela vive. Apesar do que diz, não são raros os
momentos em que ela deixa a dissimulação se descortinar para revelar alguns
elementos sinceros de si mesma: Numa conversa casual e completamente encenada
com um sócio aleatório de Richard (o jovem Balthazar Getty, de “A EstradaPerdida”) que encontram num restaurante, ela afirma que a arte precisa e deve
enaltecer o corpo, a nudez e o sexo, sobretudo, o feminino. Pois, todas as pessoas
nasceram de um ato sexual, e todas vieram de dentro de uma vagina. Para ela, a
vagina é, portanto, o centro do mundo.
Da simplicidade quase espartana com que molda
seu filme –confinados no quarto de hotel por pelo menos setenta por cento de
toda a duração, e capturados pelas imagens algo intrusivas da câmera digital
portátil (que reforça a sensação de intimidade exposta) –e do talento bastante
eficiente de Sarsgaard e da bela Molly Parker, Wayne Wang extrai uma obra
característica, onde duas personalidades, de preferência, um homem e uma
mulher, compartilham revelações e imbricam na intimidade relutante um do outro
(premissa essencial em obras tão distintas quanto “Um Homem, Uma Mulher”, “OÚltimo Tango Em Paris” ou o nacional “Entre Lençóis”).
Suas concessões aos
paradigmas viciosos de um cinema alternativo americano só se sobrepõem ao bom
senso de sua narrativa quando o filme já atinge seus dez minutos finais, onde
Wang parece se resignar na amargura e desilusão de um drama independente e na
indefinição de um desfecho inconcluso.
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