sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

O Centro do Mundo

Ainda que seu trabalho mais conhecido (e provavelmente melhor) continue sendo o ótimo “O Clube da Felicidade e daSorte”, dos anos 1990, o diretor Wayne Wang nunca deixou de ser um realizador de sensível personalidade.
Como em “Sem Fôlego” –uma continuação do drama “Cortina de Fumaça” que é quase uma colagem de improvisos cênicos –ele exerce algum experimentalismo ao mesmo tempo que, ao empregar um conhecimento aprofundado do processo de filmagem, ostenta certa serenidade neste “O Centro do Mundo”.
Wang contrapõe uma encenação despojada (tateando breve e atrevidamente momentos de erotismo e até pornografia) com uma linguagem orgânica e solta possível graças ao registro em câmera digital.
Richard (Peter Sarsgaard) e Florence (Molly Parker) são, em princípio, dois estranhos, mas estão dividindo o mesmo quarto em Las Vegas. Não são namorados. Nem amigos; mal sabem um do outro. Eventuais flashbacks tratam de revelar o que fazem lá: Ele é um programador de computadores milionário (embora não pareça). Ela, uma stripper (embora –conforme o próprio Richard em certo momento afirma –também não pareça).
Eles se conhecem e, a despeito da ligeira inconveniência do contato, passam a se encontrar com alguma freqüência. Ela não sabe definir se ele é, para ela, uma espécie de cliente ou um amigo real. Ele parece gostar dessa indefinição e a convida para passar um fim de semana naquele quarto de hotel em Las Vegas, onde grande parte do filme se dará.
Florence estipula algumas regras a serem seguidas, pois afinal, embora ele a esteja reembolsando por esses dias de trabalho perdido, ela não é –como costuma afirmar –uma prostituta. Contudo, essas regras (não beijar na boca; sem penetração; disponibilidade plena somente das 10:00 da noite até às 2:00 da madrugada) estão sujeitas à torção dos acontecimentos.
Ao longo dos dias estranhos que se seguem, suas personalidades parecem melhor se esboçarem, a despeito de uma das regras de Florence, de não discutir sentimentos. Richard expõe aspectos de seu histórico familiar e afetivo, o quê passa a explicar um pouco de sua carência, de sua inadequação, e até de seu isolamento. Para ele, estar diante de uma tela de computador –o que ele faz sempre –não é estar sozinho, mas sim conectado com todos. Para ele, ali é o centro do mundo.
Florence, por outro lado, tem consciência do quão diferente é o mundo em que ela vive. Apesar do que diz, não são raros os momentos em que ela deixa a dissimulação se descortinar para revelar alguns elementos sinceros de si mesma: Numa conversa casual e completamente encenada com um sócio aleatório de Richard (o jovem Balthazar Getty, de “A EstradaPerdida”) que encontram num restaurante, ela afirma que a arte precisa e deve enaltecer o corpo, a nudez e o sexo, sobretudo, o feminino. Pois, todas as pessoas nasceram de um ato sexual, e todas vieram de dentro de uma vagina. Para ela, a vagina é, portanto, o centro do mundo.
Da simplicidade quase espartana com que molda seu filme –confinados no quarto de hotel por pelo menos setenta por cento de toda a duração, e capturados pelas imagens algo intrusivas da câmera digital portátil (que reforça a sensação de intimidade exposta) –e do talento bastante eficiente de Sarsgaard e da bela Molly Parker, Wayne Wang extrai uma obra característica, onde duas personalidades, de preferência, um homem e uma mulher, compartilham revelações e imbricam na intimidade relutante um do outro (premissa essencial em obras tão distintas quanto “Um Homem, Uma Mulher”, “OÚltimo Tango Em Paris” ou o nacional “Entre Lençóis”).
Suas concessões aos paradigmas viciosos de um cinema alternativo americano só se sobrepõem ao bom senso de sua narrativa quando o filme já atinge seus dez minutos finais, onde Wang parece se resignar na amargura e desilusão de um drama independente e na indefinição de um desfecho inconcluso.

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