Na esteira da realização exultante e inovadora
de seu “Drugstore Cowboy”, o diretor Gus Van Sant deu continuidade, no início
da década de 1990, à sucessão de ótimas obras que ele entregou no cinema
independente norte-americano de então.
“Garotos de Programa” surgiu assim carregado de
ímpeto criativo, de uma audácia plena permitida somente pela liberdade
artística de uma produção marginal, e de notáveis singulares (também elas
presentes em “Drugstore Cowboy”) que logo chamara a atenção para Gus Van Sant.
O filme tem também o promissor River Phonenix,
que morreu ainda jovem, de overdose, poucos anos depois, o quê fez deste seu
trabalho o melhor que ele entregou (venceu o prêmio de Melhor Ator no Festival
de Berlim) entre os tantos que poderia ter entregado se não tivesse partido
cedo demais.
Phoenix interpreta Mike, um jovem que sofre de
narcolepsia (a chamada doença do sono) e trabalha nas ruas, se prostituindo. Embora
corra o risco de soar normal, e até banal, aos olhos de uma geração mais jovem
de cinéfilos, o filme de Van Sant trazia um retrato do universo dos garotos de
programa que impressionava pela inovadora destituição de julgamentos morais –o
ato de prostituir-se, como se comprova já na primeira e surpreendente cena, é
mostrado com uma objetividade lúdica e com uma serenidade narrativa que chegam
a ser desconcertantes.
Mike é mostrado como um conhecedor profundo dos
meandros das ruas. Compreende as regras e os códigos para lá viver, e conhece
vários de seus... colegas de profissão.
Um deles, o que mais o intriga, é Scott (Keanu
Reeves), filho de um milionário que exerce a profissão muito menos por
necessidade e mais para chacoalhar a índole inabalável e indiferente do pai.
Talvez sejam esses assuntos pendentes relativos
à paternidade que fazem Scott se identificar com Mike: Ele deseja, de alguma
forma, reencontrar sua mãe. E nessa cruzada, ele e Scott acabam indo para a
Itália, seguindo o encalço da única pista que tinham.
Em algum momento das idas e
vindas dessa busca vã, a narrativa de Van Sant irá absorver características (e
nelas se transfigurar) da peça “Henrique V”, de William Shakespeare, a ponto
dos personagens passarem a declamar o texto integral como ele é.
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