sexta-feira, 23 de março de 2018

O Pescador de Ilusões

A mente de Terry Gillian sempre foi fonte de inquietações muito singulares: Desde a época em que ainda colaborava com seus amigos do “Monty Python”, havia nele um pendor artístico que o distinguia –e tal fator continuou a se propagar em sua carreira já desligado do grupo.
Em “O Pescador de Ilusões”, Gillian conduz com sua verve estilosa e poderosa –e, por isso mesmo, de inconteste poder transfigurador da realidade –a história de Jack (Jeff Bridges, um inusitado oásis de seriedade em meio a um elenco definido pelo non-sense).
Outrora radialista de sucesso, Jack é um nova-iorquino afogado numa vida de alcoolismo e comiseração após um episódio pra lá de trágico: Ele julga-se culpado por incitar inconscientemente um psicopata, por meio de uma conversa em seu programa de rádio, a chacinar dezenas de pessoas em um bar.
Com a vida em ruínas –ainda que morando desleixadamente com a namorada (Mercedes Ruehl, ganhadora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 1992 e, como Bridges, um caso de seriedade à parte no elenco) cuja relação se ressente pelo detalhe óbvio dela ser sua companheira mais por conveniência do que por paixão –Jack conhece Perry, um mendigo morador do Central Park, com quem inicia uma titubeante e frenética amizade.
Perry (vivido por Robin Williams, cuja técnica exacerbada ainda era, na época, mais fascinante do que cansativa) não é um mendigo normal –e nem a interpretação de Williams permite que este adjetivo flutue sobre o personagem –é especializado em História e Mitologia Medieval, e ainda lidera um grupo composto por outros mendigos que formam uma insólita tropa de cruzados nas ruas nova-iorquinas (é assim que salvam Jack das agressões de uma gangue).
Mais tarde, Jack também vem a descobrir que Perry antes era um professor universitário, e seu desligamento da realidade se deu justamente naquela noite fatídica, em que teve a esposa assassinada e Jack a carreira destruída.
Amparado pela culpa, Jack primeiro resolve ser seu ‘cupido’ –tenta porque tenta fazê-lo encontrar-se com seu objeto do desejo (Amanda Plummer, de “Pulp Fiction”) que ele até então jamais atreveu-se a dirigir palavra –e depois, decide encontrar para Perry a relíquia que ele tanto almejava: O Santo Graal.
Um aproveitamento muito particular da parábola do Rei Pescador (um conto da mitologia medieval mencionado por Perry várias vezes ao longo do filme), “O Pescador de Ilusões” é uma demonstração da parte de Terry Gillian de sua intransigência artística e sua bravura cinematográfica –o roteiro pairou por anos em todos os cantos de Hollywood até que um estúdio o financiasse –e para tanto, é até inevitável que suas referências mitológicas e religiosas possam escapar aos espectadores comuns.

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