segunda-feira, 30 de julho de 2018

Infelizmente Para Mim


Na década de 1990, Jean Luc Godard já era um nome lendário no cinema –e o próprio já acreditava piamente no mito que havia sido criado em torno de si.
Suas obras já não oscilavam numa arguta busca por voz e estilo –ou mesmo argumentação –então, o que parecia norteá-lo, como artista, era uma algo prepotente tentativa de fazer jus à reputação que dele e de seus filmes foram construídos.
“Infelizmente Para Mim” é fruto dessa fase.
Menos um filme ou até uma expressão artística, e mais um esforço para observar as repercussões da própria relevância e, quem sabe, um espasmo na intenção de manter essa mesma relevância.
Com efeito, o resultado é um filme-ensaio com postura artística tão contundente que dificilmente será decifrado ou mesmo apreciado por quem não está intimamente ligado ao que Godard significa.
Ele parte do princípio de alguns mitos nos quais se baseia (sobretudo, no de Alcmena e Anfitrião) e deles extrai não uma história mais um apanhado de situações e circunstâncias (e, talvez, lá no fundo, a intenção abstrata de uma história) onde vislumbra uma tentativa de Deus em experimentar sensações muito humanas e mundanas em meio à uma narrativa que se impõe a necessidade de ousar todo o tempo: A cronologia é distorcida; a incongruência entre o quê se vê e o quê se ouve é propositadamente divergente, estranha e fragmentada; a encenação segue princípios impraticáveis de realismo fantástico; as referências se amontoam em níveis que impossibilitam uma leitura completa de tudo o que se passa em cena; e a direção de atores (entre eles, Gerard Depardieu e Isabele Hupert) conduz o elenco por meio de seqüências que até conseguem extrair alguma beleza e poesia do momento, mas cujo desvario em nome da arte só leva a indagações que não encontram qualquer respiro.
Como em “Je Vous Salue, Marie”, realizado anos antes, Godard mira na Igreja Católica com ousadia e despojamento visando fazer barulho; mas, diferente daquele obra, esta aqui não parece expressar uma vontade genuina de questionamento –é Godard apenas querendo continuar a ser Godard para seus intelectuais admiradores que se perdem em argumentos para enaltecê-lo.
E sabemos que podia ser bem mais que isso.

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