segunda-feira, 23 de setembro de 2019

O Palhaço

Dizem que para os atores, o drama é uma energia que se recolhe para dentro e a comédia uma energia que se emana para fora.
Ao descobrir-se como diretor de cinema, o ator Selton Mello descobriu também formas novas de aproveitar sua desenvoltura como intérprete –“O Palhaço”, seu segundo filme como diretor, é o primeiro onde ele coloca a si mesmo como protagonista; e o único até então, onde ele tentou tal coisa. Isso talvez explique a imensa identificação que ele estabeleceu com o personagem Benjamin, filho do dono do circo, palhaço no picadeiro, pau-para-toda-obra fora dele.
Ele é um dos muitos integrantes do Circo Esperança que singra as cidades do interior brasileiro –numa tradição que certamente remete a infância dos expectadores hoje adulto; e numa exaltação da arte circense que remete algo de Federico Fellini.
Embora seja seu pai (Paulo José, maravilhoso) o dono do circo, e não lhe falte energia para namorar a cuspidora de fogo (Giselle Motta), contabilizar o lucro e ser também ele palhaço, sobra para Benjamin a parte nada divertida do trabalho: As queixas dos demais funcionários, a diplomacia para com pessoas de fora, as carências inevitáveis desse meio de vida.
Dizer que Benjamin obedece aquele máxima de que todo palhaço é triste seria versar na redundância: Benjamin é todo desilusão e infortúnio. Quando sofre, até sua dor parece uma piada pronta para divertir outrem (caso da jovem, com quem ele alimenta a esperança de construir um relacionamento, mas acaba se equivocando). E mesmo suas fixações –ventiladores (os quais nunca tem dinheiro para comprar) e a carteira de identidade (que ele não tem, mas pedem em todo lugar que vai) –passeiam pela melancólica possibilidade de soarem patéticas.
O medo de ser engraçado fora do âmbito que lhe cabe é o grande drama de Benjamin.
Daí sua opção de, em algum momento, partir do circo, e seguir seu próprio destino, naquele dilema eterno, entre o drama e o humor, a tragédia e a comédia, experimentado no cotidiano e na vida por todos nós.
Numa narrativa preciosista –que lembra muito o estilo de Wes Anderson –o diretor Selton Mello segue seu protagonista de perto, mas não deixa de prestar imenso carinho e atenção aos seus outros personagens: O próprio pai que, na implausibilidade de seu romance, sabe estar sendo enganado pela jovem que ama, mas protela essa decisão até o último instante; os dois músicos que sempre choram por dinheiro a fim de atender os fictícios familiares doentes; o ajudante de palco perturbado por recorrentes sonhos com cabras; o inseguro homem forte cuja bravura cede à primeira crítica; e a garotinha vivida por Larissa Manoela, que de certa maneira representa toda a luz e esperança num amanhã melhor –e a quem é reservada a tarefa de encerrar o filme com otimismo.

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