Os lapsos são inúmeros ao se avaliar o trabalho
do diretor Herbert Vesely do ponto de vista de mera cinebiografia: Ele preserva
por vezes misterioso –com alguma deliberação –o personagem retratado, sua
pontuação de eventos é incerta e nada elusiva, e a inclinação para o erotismo
(e para um produto que se compõe de expedientes eróticos) parece pesar sobre
todas as demais decisões.
Em 1912, o pintor austríaco Egon Schiele
(vivido com compostura gélida por Mathieu Carriére, de “Uma Mulher Em Fogo”,
“Bilitis” e “A Mulher do Aviador”) e sua esposa Wally (a bela Jane Birkin,
esposa de Serge Gainsbourg à época) recebem em sua casa, na região interiorana
da cidadezinha de Neulengbach, a adolescente Tatjana (Karina Fallenstein) que
fugiu de casa. Eles acolhem a garota em meio ao temporal e, no dia seguinte,
até mesmo corroboram com sua iniciativa rebelde de viajar de trem para a casa
da tia –jornada à qual eles à acompanham.
Contudo, nesse ínterim, Egon e Wally a convencem a retornar para os pais, o que ela eventualmente acaba fazendo –durante todo
esse breve período, no entanto, o filme de Vesely não se furta de registrar
momentos (talvez mais conotativos do que literais) em que houve interesse
sexual de ambas as partes, com diversas cenas de nudez da jovem atriz Karina
Fallenstein (que alguns expectadores poderão apontar como gratuitas em termos
narrativos) e até mesmo momentos sugestivos em que ela dorme nua com Jane
Birkin; o próprio Egon Schiele não é mostrado mais que um expectador interessado
pela formosura dela e de outras jovens.
Contudo, apesar das boas intenções evidenciadas
na narrativa, o pai de Tatjana já havia prestado queixa devido à fuga da filha
e Schiele, no fluxo dos âmbitos legais, é levado para interrogatório, seus desenhos
(particularmente ousados) são confiscados e as autoridades já concluem assim
que possuem indícios suficientes para encarcerar o artista e julgá-lo por
pedofilia.
Nem mesmo os apelos da esposa, que convence o
pai de Tatjana a retirar a queixa e a própria Tatjana a prestar um depoimento
deixando claro que não sofreu abuso algum, surtem qualquer efeito: As
autoridades já estão convictas da contravenção de Schiele e não desejam
libertá-lo.
Desenvolvido em torno dessa circunstância
aparentemente básica –o imediato encarceramento de Schiele e os esforços
perplexos, de lento resultado, para fazê-lo livre –o filme começa então a ir e
vir no tempo, mais ostentando alguma sofisticação do que revelando-se
sofisticado de fato: Vemos as tentativas do filme em transmitir a personalidade
conturbada, ansiosa e passional de Schiele ao lidar com a sexualidade as
mulheres a sua volta e com seu próprio tormento interior; o início do
relacionamento com Wally (e, mais depois, o seu fim, quando a trama envereda
por situações posteriores); seu casamento com Edith (Christine Kaufman), sua
outra esposa; e o reconhecimento errático (insuficiente do ponto de vista do
próprio artista) que sua arte recebeu dos críticos, em justaposição à
consagração de outros artistas, como Gustav Klimt, bastante citado.
Ao seu modo elíptico, mas nada inteligível, o
filme de Herbert Vesely concebe a situação central (a prisão de Schiele, a
partir da qual flashbacks e desdobramentos se sucedem) para criar uma espécie
de compêndio sobre Egon Schiele –na realidade, o artista foi preso diversas
vezes devido ao conteúdo escandaloso de seus desenhos –sem preocupar-se com a
pouca fidelidade aos fatos reais que suas manobras acarretam.
O resultado termina sendo
um filme erótico, sensual, ousado e em alguns aspectos doentio (a transgressão
com a qual se expõe as atrizes nuas, inclusive algumas bem jovens, tem evidente
intenção de chocar), mas também intimista, incomum e bastante dedicado em dar
corpo às inquietações existenciais (mais do que aos seus percalços mundanos) de
seu artista retratado.
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