sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Harry Potter e O Enigma do Príncipe

O diretor David Yates, tendo estreado em “Harry Potter” no filme anterior, chegou mesmo para agitar as coisas: Os primeiros minutos de “O Enigma do Príncipe” já deixam bem claro que, neste ponto, a saga já não tem qualquer interesse em temas infanto-juvenis –a paleta de cores é séria, monocromática, quase evocando um preto & branco interiorizado em muitos momentos; o clima de tensão é frequente e eficaz, aproximando esta obra, muitas vezes, de um filme de terror, e além de tudo, Yates impõe uma elegância à toda prova que eleva consideravelmente as apostas deste novo filme, onde são esboçados os ganchos narrativos que enfim conduzirão a saga ao seu desfecho.
Numa escala inédita nos filmes de “Harry Potter” até então, começamos o filme testemunhando o que parecem ser ataques terroristas sistemáticos em Londres de natureza mágica. Apesar do alvo ser o Beco Diagonal (visto em “A Pedra Filosofal” e “A Câmara Secreta”), podemos vislumbrar também a destruição da Ponte Millenium, de Londres. Os Comensais da Morte, pavorosos asseclas de Lorde Voldemort, atrevem-se a atacar e dar as caras no mundo normal (o chamado ‘mundo trouxa’).
Harry aparece no momento seguinte, quando o diretor Yates se dá ao luxo de fazer uma auto-referência: Impossível não lembrar de seu elogiado “The Girl in The Cafe”, quando vemos um Harry Potter aturdido com as notícias do jornal, dar um pequeno tempo e flertar com a garota que trabalha na cafeteria.
Logo, porém, a responsabilidade chama: Alvo Dumblodore requisita a companhia de Harry numa visita a um certo Horacio Slughorn (Jim Broadbent), alguém que, por razões muito especiais, o diretor de Hogwarts deseja para ser o novo professor de Poções –o professor anterior dessa matéria, Severo Snape, finalmente conseguiu a cadeira de professor de Defesa Contra A Arte das Trevas (cujas aulas mostradas no livro são omitidas no filme).
Apaixonado pela mitologia que cerca a trama como nenhum diretor antes dele, David Yates avança seu filme saboreando a evolução circunstancial presente em cada pequeno detalhe de sua história: Harry, Rony e Hermione são agora alunos dos últimos anos, o que faz deles veteranos acostumados aos meandros estudantis acrescidos da curiosidade da magia. Já a seis anos em Hogwarts, Harry agora é o capitão do time de quadribol de Grifinória, no qual seu amigo Rony e a irmã dele, Gina (Bonnie Wright), fazem teste para poder participar da equipe. E nas salas de aula, em especial, na matéria ministrada pelo Prof. Slughorn, Harry encontra um livro carcomido cheio de anotações de um certo ‘Príncipe Mestiço’ –o mistério que batiza este capítulo distraindo a atenção dos elementos realmente relevantes –e tais anotações feitas à mão ajudam Harry a tornar-se o melhor aluno da sala (!). Também o aspecto romântico se manifesta aqui com mais intensidade: Harry se descobre cada vez mais apaixonado por Gina, que no momento se envolve casualmente com Dino (Alfie Enoch), enquanto Hermione, em sua lenta e gradual aproximação com Rony tem seus planos interrompidos pela tietagem da deslumbrada Lila Brown (Jessie Cave).
Yates usa essas eventuais intrigas amorosas como pontuais atenuantes para uma trama sombria que ele engendra com zelo e critério ao longo da narrativa, sobretudo, na condução de dois núcleos distintos: Os breves, no entanto, significativos momentos em que flagramos o jovem Draco Malfoy (Tom Felton) e sua ‘missão’ por meio da qual os Comensais da Morte almejam finalmente invadir a tão segura Hogwarts; e, claro, a trajetória de Harry que o leva até o misterioso e escorregadio Horacio Slughorn –ele trás consigo um segredo (que ele recusa-se a compartilhar até mesmo com o próprio Dumblodore) sobre as razões ligadas a magia negra que fazem Voldemort ser imortal; e que, portanto, fornecem a pista para enfim matá-lo.
Como é habitual na construção narrativa de todos os “Harry Potter”, as numerosas pontas soltas a tratar de assuntos que aparentam serem tão diversos quanto dispersos, em dado momento, se unem revelando uma conexão intrínseca que os torna fragmentos complementares de uma mesma e sólida trama bem planejada –entretanto, neste filme até mais do que em “A Ordem da Fênix”, o diretor Yates se permite ir acima e além da fidelidade ao livro (que ele transfigura com convicção impecável) acrescentando impressões aos personagens e às suas motivações que só poderiam ser mesmo capturadas em cinema: É o caso da interpretação brilhantemente moldada do Prof. Slughorn que Jim Broadbent compõe com uma compreensão desigual do fascínio parasitário despertado nele por alunos de potencial fora do comum, primeiro o Tom Riddle ‘pré-Voldemort’ (interpretado em lembranças passadas por Frank Dillane e Hero Fiennes-Tiffin, este último, sobrinho de Ralph Fiennes), e depois o próprio Harry Potter. Os trinta minutos finais também revelam um domínio prodigioso dos elementos fantásticos, aqui empregados rumo a uma atmosfera genuinamente assustadora (palmas para a magnífica cena no lago dentro da caverna!).
Ao abraçar com uma serenidade contagiante um filme com facetas tão distintas (do romance ao terror, do suspense à comédia), o aspecto mais surpreendente do trabalho de David Yates acaba sendo a espantosa harmonia com a qual ele consegue manter tudo num mesmo tom, envolvendo o expectador num ritmo preciso e absorvente até a cena final que, neste filme em particular (talvez o de execução mais desafiadora de toda a saga) não encontra um ponto derradeiro que possa ser considerado um desfecho –e ainda assim, Yates o encerra extasiando o público com o filme espetacular que concebeu.

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