O diretor David Yates, tendo estreado em “Harry
Potter” no filme anterior, chegou mesmo para agitar as coisas: Os primeiros
minutos de “O Enigma do Príncipe” já deixam bem claro que, neste ponto, a saga
já não tem qualquer interesse em temas infanto-juvenis –a paleta de cores é
séria, monocromática, quase evocando um preto & branco interiorizado em
muitos momentos; o clima de tensão é frequente e eficaz, aproximando esta obra,
muitas vezes, de um filme de terror, e além de tudo, Yates impõe uma elegância
à toda prova que eleva consideravelmente as apostas deste novo filme, onde são
esboçados os ganchos narrativos que enfim conduzirão a saga ao seu desfecho.
Numa escala inédita nos filmes de “Harry
Potter” até então, começamos o filme testemunhando o que parecem ser ataques
terroristas sistemáticos em Londres de natureza mágica. Apesar do alvo ser o
Beco Diagonal (visto em “A Pedra Filosofal” e “A Câmara Secreta”), podemos vislumbrar
também a destruição da Ponte Millenium, de Londres. Os Comensais da Morte,
pavorosos asseclas de Lorde Voldemort, atrevem-se a atacar e dar as caras no
mundo normal (o chamado ‘mundo trouxa’).
Harry aparece no momento seguinte, quando o
diretor Yates se dá ao luxo de fazer uma auto-referência: Impossível não
lembrar de seu elogiado “The Girl in The Cafe”, quando vemos um Harry Potter
aturdido com as notícias do jornal, dar um pequeno tempo e flertar com a garota
que trabalha na cafeteria.
Logo, porém, a responsabilidade chama: Alvo
Dumblodore requisita a companhia de Harry numa visita a um certo Horacio
Slughorn (Jim Broadbent), alguém que, por razões muito especiais, o diretor de
Hogwarts deseja para ser o novo professor de Poções –o professor anterior dessa
matéria, Severo Snape, finalmente conseguiu a cadeira de professor de Defesa
Contra A Arte das Trevas (cujas aulas mostradas no livro são omitidas no filme).
Apaixonado pela mitologia que cerca a trama
como nenhum diretor antes dele, David Yates avança seu filme saboreando a
evolução circunstancial presente em cada pequeno detalhe de sua história:
Harry, Rony e Hermione são agora alunos dos últimos anos, o que faz deles
veteranos acostumados aos meandros estudantis acrescidos da curiosidade da
magia. Já a seis anos em Hogwarts, Harry agora é o capitão do time de quadribol
de Grifinória, no qual seu amigo Rony e a irmã dele, Gina (Bonnie Wright),
fazem teste para poder participar da equipe. E nas salas de aula, em especial,
na matéria ministrada pelo Prof. Slughorn, Harry encontra um livro carcomido
cheio de anotações de um certo ‘Príncipe Mestiço’ –o mistério que batiza este
capítulo distraindo a atenção dos elementos realmente relevantes –e tais
anotações feitas à mão ajudam Harry a tornar-se o melhor aluno da sala (!).
Também o aspecto romântico se manifesta aqui com mais intensidade: Harry se
descobre cada vez mais apaixonado por Gina, que no momento se envolve
casualmente com Dino (Alfie Enoch), enquanto Hermione, em sua lenta e gradual
aproximação com Rony tem seus planos interrompidos pela tietagem da deslumbrada
Lila Brown (Jessie Cave).
Yates usa essas eventuais intrigas amorosas
como pontuais atenuantes para uma trama sombria que ele engendra com zelo e
critério ao longo da narrativa, sobretudo, na condução de dois núcleos
distintos: Os breves, no entanto, significativos momentos em que flagramos o
jovem Draco Malfoy (Tom Felton) e sua ‘missão’ por meio da qual os Comensais da
Morte almejam finalmente invadir a tão segura Hogwarts; e, claro, a trajetória
de Harry que o leva até o misterioso e escorregadio Horacio Slughorn –ele trás
consigo um segredo (que ele recusa-se a compartilhar até mesmo com o próprio
Dumblodore) sobre as razões ligadas a magia negra que fazem Voldemort ser
imortal; e que, portanto, fornecem a pista para enfim matá-lo.
Como é habitual na construção narrativa de
todos os “Harry Potter”, as numerosas pontas soltas a tratar de assuntos que
aparentam serem tão diversos quanto dispersos, em dado momento, se unem
revelando uma conexão intrínseca que os torna fragmentos complementares de uma
mesma e sólida trama bem planejada –entretanto, neste filme até mais do que em
“A Ordem da Fênix”, o diretor Yates se permite ir acima e além da fidelidade ao
livro (que ele transfigura com convicção impecável) acrescentando impressões
aos personagens e às suas motivações que só poderiam ser mesmo capturadas em
cinema: É o caso da interpretação brilhantemente moldada do Prof. Slughorn que
Jim Broadbent compõe com uma compreensão desigual do fascínio parasitário
despertado nele por alunos de potencial fora do comum, primeiro o Tom Riddle
‘pré-Voldemort’ (interpretado em lembranças passadas por Frank Dillane e Hero
Fiennes-Tiffin, este último, sobrinho de Ralph Fiennes), e depois o próprio
Harry Potter. Os trinta minutos finais também revelam um domínio prodigioso dos
elementos fantásticos, aqui empregados rumo a uma atmosfera genuinamente
assustadora (palmas para a magnífica cena no lago dentro da caverna!).
Ao abraçar com uma
serenidade contagiante um filme com facetas tão distintas (do romance ao
terror, do suspense à comédia), o aspecto mais surpreendente do trabalho de
David Yates acaba sendo a espantosa harmonia com a qual ele consegue manter
tudo num mesmo tom, envolvendo o expectador num ritmo preciso e absorvente até
a cena final que, neste filme em particular (talvez o de execução mais
desafiadora de toda a saga) não encontra um ponto derradeiro que possa ser
considerado um desfecho –e ainda assim, Yates o encerra extasiando o público
com o filme espetacular que concebeu.
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