quarta-feira, 26 de maio de 2021

Tão Doce Quanto Perversa


 Na transição das décadas de 1960 para 70, a atriz Carroll Baker curiosamente aderiu a um filão específico na Itália –os sexy gialli –no qual sagrou-se a estrela que ela nunca chegou a ser em terras norte-americanas. Neles, sua presença costumava ser o epicentro que movimentava todo o plot e suas personagens eram escritas com o esmero que os realizadores dedicam à suas musas inquestionáveis.

Belo exemplo disso é o suspense “Tão Doce Quanto Perversa”, assinado por Umberto Lenzi, um dos diretores mais prolíficos desse sub-gênero –e que, na verdade, fez de tudo um pouco naquele período, inclusive infames exemplares do ciclo canibal.

“Tão Doce Quanto Perversa” é um pequeno conto de traições que, tal como outros daqueles filmes, sacrificava certa lógica e coerência para entregar reviravoltas em ritmo frequente, beneficiando-se ainda de outro astro europeu da época, o austero Jean-Louis Trintignant. Ele interpreta Jean, casado com a bela porém neurótica Danielle (Erika Blanc). O casamento dos dois já se encontra em fase de deterioração –ele tem seguidos casos extraconjugais como fica claro já nas cenas iniciais.

Logo, seu envolvimento com a sedutora vizinha que se muda para a cobertura do andar de cima, Nicole (Carroll Baker, indiscutivelmente bela), é consequência disso. Todavia, com Nicole as coisas são diferentes: Jean se apaixona de fato por ela, desenvolvendo um senso de proteção em relação a ela e ao homem que aparentemente abusou-a, e continua abusando-a como seu marido, Klaus (Horst Frank).

Certamente os desdobramentos não param por aí, mas o rumo dado pelos realizadores –sobretudo no que tange ao inspirado roteiro de Ernesto Gastaldi –é um tanto improvável e desafiador aos mais aficcionados do gênero; ainda que uma ou outra revelação de ultima hora seja, sim, possível de ser antecipada. Entretanto, o que vale é que Umberto Lenzi concebeu uma obra que nunca se acomoda nos expedientes de suspense que constrói oferecendo algo novo a medida que avança. A partir do seu segundo terço, mal o expectador assimila uma reviravolta e outra já se anuncia no horizonte. É bastante interessante e certamente envolvente acompanhar a manutenção dessa proposta –a de não haver uma certeza plena até o último instante da narrativa –mas, é justamente esse arrojo que depõe contra o filme de Lenzi. Em determinado momento não apenas as motivações parecem um tanto improváveis, para não dizer contraditórias com relação ao modo como foram introduzidas e desenvolvidas, como também essa atmosfera incerta não oferece ao público um personagem específico com o qual se relacionar a contendo. Resta assim meramente acompanhar a trama cujo interesse se esvai pela falta de protagonistas pelos quais torcer.

Ao que tudo indica, Lenzi depositou o preenchimento dessa lacuna no carisma de Carroll Baker –que, de fato, se sobressai ao resto do bom elenco –no entanto, concebida num vácuo impreciso entre vítima, heroína, vilã e femme fatale, sua personagem não proporciona à atriz meios para encantar o público como em outros trabalhos.

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