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segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Amantes Eternos

Ao lado de “O Vício”, de Abel Ferrara, “Amantes Eternos”, de Jim Jamursch é um dos filmes de vampiros mais originais e peculiares do cinema.
Isso porque, na concepção de Jarmusch absolutamente desinteressada dos tópicos de obras de terror, o conceito do que quer que seja um vampiro passa pela consciência de uma eternidade mergulhada nos mesmos questionamentos filosóficos que assolaram o subconsciente da humanidade por séculos e séculos; seres imortais, portanto, presentes em cada uma dessas etapas de lento, doloroso e aterrorizante aprendizado teriam uma maneira distinta de absorver as impressões do mundo.
Quão diferente, então, seriam esses seres, em seu comportamento e em sua mentalidade, dos humanos mortais e normais, em sua inércia de uma vida fugaz e finita?
“Amantes Eternos” se ocupa de refletir sobre essa pergunta; o que não necessariamente significa que, ao fim, ele a tenha respondido.
Adam (Tom Hiddleston) e Eve (Tilda Winton) são dois vampiros –e, nos nomes adotados para esses personagens não apenas fica explícita a simbologia religiosa como em mais de um momento Jarmusch brinca com a sugestão de poderem ser eles o Adão e a Eva originais descritos na Bíblia (!); criaturas que carregam em si o peso imponderável de incontáveis séculos de vida.
Adam vive recluso em Detroit nos EUA. Eve mora em Tânger, no Marrocos.
Ambos, porém, são (ou foram) casados.
Ele passa suas noites fazendo encomendas excêntricas ao jovem Ian (o saudoso Anton Yelchin) que lhe providencia mimos como guitarras de fabricação raras para sua coleção.
Ela tem a ocasional companhia de Kit (John Hurt), vampiro veterano de aspecto envelhecido que seria Christopher Marlowe, revolucionário poeta do Século XVI –e para tanto, Jamursch o leva a declamar profundas considerações sobre o mundo e suas mudanças desde então.
Os vampiros retratados por Jamursch não são os assassinos caçadores que estamos acostumados a ver nos dias atuais –e também não são os despropositados românticos que brilham no sol, não se preocupe! –fazer uma vítima a cada noite não é uma atitude prudente; assim, Adam e Eve criaram métodos específicos para obtenção de sangue. Ele, por exemplo, visita um banco de sangue onde tem um acordo com o clínico-geral (Jeffrey Wright) e consegue litros de O positivo.
Assim, sem a necessidade de preencher seu tempo com perseguições às vítimas eventuais o que fazem os vampiros? Para Jamursch, eles usam de seu tempo vasto para absorver o que de melhor existe na cultura humana: A arte.
Daí a fascinação de Adam por relíquias musicais que ele empilha em sua casa, e sua obsessão com música, fotos antigas e outras coisas; Eve, por sua vez, imerge na literatura (sua velocidade de leitura é algo sobrehumano!) o que lhe proporcionou, ao longo dos séculos uma prosa reflexiva que vai das elucubrações quânticas de Albert Einstein aos humores instáveis de gênios da literatura em questão de poucas palavras.
Os vampiros de Jamursch são, pois, quase como filósofos de botequim que contemplam o melhor e o pior da humanidade do alto de uma existência longeva.
Não quer dizer que, em algum momento, eles não terão seus contratempos bem mundanos: Quando Eve volta aos EUA para ficar um tempo com Adam, logo em seguida aparece sua inconveniente irmã, Ava (Mia Wasikowska), também vampira, porém mais jovem, mais inconsequente e mais ávida por sangue a ponto de afrontá-los com sua imprudência. Os atos de Ava acabam obrigando Adam e Eve a regressarem a Tânger, onde outros percalços da vivência de um vampiro os aguarda.
Os mais rabugentos para com o cinema de Jim Jamursch afirmaram que ele se vale do tema dos vampiros apenas para fornecer uma moldura diferencial para seus questionamentos filosóficos de sempre, embasados por posturas underground típicas de seu cinema, no entanto, há que se reconhecer, não somente a corajosa manutenção das mesmas inquietações que fazem seu estilo desde que se dedicou a um cinema independente e autoral, como também a precisão com que sua técnica e seu modo de filmar combinam tão bem com o interessante universo concebido para este roteiro repleto de belas ideias e de pertinentes propostas.
Um grande trabalho –dentro do sub-gênero dos vampiros, talvez, o melhor da década.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Flores Partidas

Ao receber uma carta anônima de uma suposta ex-namorada do passado afirmando que ele tem um filho que nunca conheceu, homem de meia-idade, solteiro e bem de vida empreende, um pouco a contra gosto, uma busca, indo atrás das mulheres que amou, e que seriam então a possíveis mães de um filho seu. Alguns desses relacionamentos terminaram deixando uma sensação de estranhamento, outros acabaram de forma catastrófica.
Há um curioso quiproquó ao analisarmos este filme colocando-o lado a lado da obra-prima de Sofia Coppola, “Encontros e Desencontros”, que trazia o papel da vida de Bill Murray: O estilo alternativo de Sofia como diretora, feito de minúcias visuais e sonoras, amparado em sutilezas imperceptíveis aos blockbusters bebe, e muito, de uma fonte da qual o tarimbado Jim Jamursch é uma das principais vertentes.
É claro que ele mesmo tem suas próprias influências, e algumas remetem ao cinema francês, mas penso que esse assunto possa ser abordado na resenha de algum outro filme seu.
O próprio Jamursch, vindo de um intervalo considerável de tempo sem filmar, ao realizar este novo trabalho, apropriou-se do astro do filme de Sofia (Murray) permitindo que se estabelecesse entre as duas obras uma similaridade ainda mais nítida e flagrante. Jamursch exerce um cinema independente vago, disperso, sem maiores preocupações em corresponder às expectativas do público ou acelerar a lentidão da narrativa. E ele deixa perceptível uma certa desilusão de sua parte, refletido em um niilismo perene que pontua seu filme (embora haja aqueles que podem argumentar que ele estava lá na maioria de seus trabalhos), em contraponto à ânsia de observar e descobrir o cerne de todo o vazio que pulsa dos trabalhos de Sofia.

A jornada movida pelo personagem de Murray é pontuada pelos ecos de uma vida pregressa que se desconfigura a medida que as mulheres com quem viveu (Sharon Stone, Frances Conroy, Jéssica Lange, Julie Delpy, uma irreconhecível Tilda Swinton) aparecem para dar novo prisma à sua percepção daquilo que se passou (e por vezes, sua percepção de si mesmo), todavia a busca por respostas sempre se revela traiçoeira: Essas mulheres entram, elas próprias, em contradição. Como também parece entrar em contradição, por vezes, o próprio Jamursch, ao concluir a circularidade frustrante que representa ser o próprio fluxo da vida. Nessa plena capacidade de contagiar o expectador com esse desânimo existencial, sua trama ganha interesse graças a Bill Murray,sempre um ator notável, ainda que repetindo em muitos aspectos o personagem que havia interpretado no magistral "Encontros e Desencontros".