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sexta-feira, 17 de julho de 2020

Zazie No Metrô

Louis Malle sempre mereceu o título de mais desigual diretor do movimento da Nouvelle Vague Francesa, exemplo disso, seu filme, “Zazie no Metrô” é um pequeno achado onde as transgressões propostas por Godard e sua turma adquirem novas facetas diante de um diretor cuja obra buscou retratar o irretratável, provar o improvável e focalizar o que era marginal –transgredir em suma, de uma forma muito mais existencial e peculiar.
A garotinha Zazie (Catherine Demongeot) chega de trem vinda do interior da França à capital Paris; na estação, seu mal-humorado tio (o sempre sensacional Philippe Noiret) declama os aborrecimentos de perambular em meio ao povo parisiense.
Sua irmã, a mãe de Zazie (de brevíssima aparição nessa cena) está apaixonada, e por conta disso, deixa a menina aos cuidados do tio. Desbocada, tudo o que importa à Zazie é conhecer o metrô de Paris, contudo, o lugar está em greve, o que acirra os nervos da menina.
Se a descrição da premissa do filme atende a uma simplicidade atroz, a direção de Malle confere uma natureza insólita à narrativa: “Zazie No Metrô” pulsa de inconformismo no tratamento inquieto que seu diretor dá a cada cena, adulterando a velocidade da câmera, acrescentando detalhes inesperados à encenação, tornando o acompanhamento do filme uma experiência de oscilação entre seu humor e sua galhardia.
A trama a envolver sua pequena protagonista constroi-se a partir de gags visuais imediatamente graciosas e posteriormente ferinas. Por meio delas, Zazie logo escapa do apartamento do tio –definido com excentricidade como a todos os personagens –e ganha as ruas, não sem antes despistar o senhorio implicante que lhe queria longe, mas paradoxalmente não lhe largava do pé.
Ainda indignada com o fechamento do metrô, Zazie encontra um cavalheiro que lhe acompanha em andanças desordenadas pela cidade, ora compactuando com suas travessuras, ora sendo vítima de suas traquinagens –e, a todo o instante, a direção de Malle evoca um humor físico que flerta ao mesmo tempo com o pastelão e o surrealismo.
Outras aventuras de Zazie incluem uma visita à Torre Eiffel, com seu tio –durante a qual fica em evidência a pluralidade turística que impede a apreciação do lugar por aquilo que ele é –e uma subsequente confusão, quando Zazie perde-se dele, e anda para lá e para cá por Paris, sempre às voltas com personagens perdidos, desorientados e estranhos.
Uma procisão de figuras que orgulharia Federico Fellini no auge de seus devaneios circenses.
Adaptação livre, irrequieta e anárquica do livro de Raymond Queneau, o filme de Louis Malle, embora fiel à premissa básica que norteia a trama, não se abstém de transfigurar a linguagem literária em um delírio narrativo que alberga música, imagens aceleradas, cortes desconcertantes e atuaçõres excêntricas.
Na ambiguidade de suas intenções esboçadas por meio da galhofa caótica que contamina o filme cada vez mais conforme ele avança, Louis Malle faz alusão à sua própria protagonista, uma criança desobediente, ávida por ver sua vontade realizada (ver o metrô), indiferente à quaisquer confusões que os adultos à sua volta promovam –Zazie acaba sendo, pois, um eufemismo da postura imprecisa e despreocupada de Louis Malle em relação aos seus colegas da novelle vague, para quem o engajamento ao movimento era de uma relevância que não raro os ofuscava. Como sua pequena personagem principal, Malle atravessou as mudanças de seu tempo –os anos 1960 –preocupado com a solidez artística e o apuro qualitativo de suas obras, e um tanto indiferente à sua própria presença em questões ideológicas; é significativo então que na única cena do filme em que finalmente está no metrô, a pequena Zazie se acha dormindo (!): Malle não quis, nem nunca foi reconhecido por seus pares (Godard, Truffaut) como um dos grandes nomes da novelle vague francesa, embora tenha produzido obras que hoje retratam aquele momento e aquela intenção com mais exatidão e entendimento que os pretensos adultos que a encabeçaram.

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Cinema Paradiso

Em “Amarcord”, de Fellini, tem-se uma constante e renovada impressão de que os dramas e alegrias relatados em episódios do filme giram em torno da sala de cinema –há, pelo menos, duas cenas que se mantêm irreprimíveis na memória, acabado o filme.
São essas as mesmas considerações que Giussepe Tornatore traz para “Cinema Paradiso” que logrou, ainda no finalzinho dos anos 1980, resgatar uma verve de ‘obra representativa da nostalgia’ para o seu tempo, assim como “Amarcord o havia sido de modo tão marcante na década anterior.
Ao receber a notícia de que o projecionista do cinema de sua cidade natal morrera, o cineasta Salvatore (Jacques Perin, o garoto de “A Moça Com A Valise”) –com efeito, um protagonista que é também alter-ego do diretor Giuseppe Tornatore –regressa para a Sicília, lugar que não visita desde os tempos de juventude.
Junto com o maduro personagem principal, regressam também suas memórias e o filme se encarrega então dessas reminiscências: Ainda garoto, Salvatore (vivido então pelo pequeno e fascinante Salvatore Cascio), a quem todos chamavam de Totó, conquistou a inesperada amizade de Alfredo (Philip Noiret, descomunal), o ranzinza, porém terno encarregado do cinema local.
Inicialmente relutante à ideia de ter um garotinho tão pequeno em sua cabine de projeção –ambiente que encantava Totó –o projecionista Alfredo cede aos apelos do pequeno quando este o ajuda a passar numa prova acadêmica para obter o diploma (!).
Já fica aí, patente, o registro carinhoso e emotivo de passagens do cotidiano executado por Tornatore: Ao lado de Alfredo, o pequeno Totó vive momentos alegres e trágicos, irônicos e marcantes, sempre com a sala de cinema, os filmes e expectadores a servir de pano de fundo. Como quando, numa ocasião –com a sala de cinema abarrotada e pessoas lá fora implorando por uma oportunidade de assistir ao concorrido filme lá dentro –Alfredo tem a ideia de desviar o facho de projeção para a parede de um prédio da praça central; possibilitando assim que todos os assistissem.
É quando ocorre também um incêndio –os celulóides de então eram facilmente inflamáveis! –que deixa Alfredo cego (!) e devasta toda a sala de cinema. Todavia, o morador da cidade que tempos antes havia ganhado na loteria resolve restaurar o cinema, pólo de felicidade e satisfação de toda comunidade. E quem ele emprega como projecionista? O pequeno Totó, que exerce essa função até a juventude (quando é então interpretado por Marco Leonardi) e não só já ensaia suas próprias tentativas de fazer filmes, como também encontra uma paixão; a bela Elena (Agnese Nano), filha de um ricaço local.
O romance, como era de se presumir, não é visto com bons olhos pelo pai da garota, e Totó perde o contato com ela quando ingressa no serviço militar. Com essa idade, os conselhos de Alfredo mudam: Ele almeja a grandeza para Totó, e compreende que ela se encontra longe daquela pequena cidade onde ele cresceu. Properar, e tornar-se alguém, significa, portanto, romper os laços com o passado.
O filme engata uma marcha melancólica em seu trecho final, com o Totó de Jacques Perin regressando à sua cidade-natal, trinta anos depois para o funeral e enterro do grande amigo, e reencontrando rostos (agora envelhecidos) que tanto significaram em sua infância e juventude.
O desfecho reserva a ele uma última lembrança de Alfredo, bem como uma das emoções mais arrebatadoras do cinema –tão mais intensa devido à inestimável contribuição da linda e inebriante trilha sonora de Ennio Morricone.
É uma belíssima homenagem do diretor Giussepe Tornatore ao cinema de formas muito mais diversas do que se pode imaginar: Ao cinema enquanto experiência de infância (as quais, mostradas no filme de fato soam muito pessoais), ao cinema enquanto catalizador de transformações culturais, assim como ao cinema italiano que perdeu-se no tempo, e cujo ápice há muito já havia se passado, e que aqui Tornatore faz um comovente esforço para resgatar, neste trabalho extremamente louvado no final da década de 1980 e início da de 1990.

terça-feira, 18 de abril de 2017

O Carteiro e O Poeta

Eis um filme pleno em sua poesia. São lindas as imagens que a câmera do diretor Michael Radford (da brilhante versão de “1984 de Orwell”) capta, ao registrar os caminhos por onde passa, esbaforido com sua bicicleta, o carteiro de uma pequena ilha do Mediterrâneo, Mario (Massimo Troisi, que morreu quando o filme ainda estava em pós-produção e ganhou assim uma indicação póstuma ao Oscar de Melhor Ator) que, mais tarde, construirá com o poeta Pablo Neruda (Philippe Noiret, de “Cinema Paradiso”), ali exilado, uma transformadora amizade.
O ano é 1952, e Neruda sofre o afastamento forçado de seu povo e sua pátria que ele defendia ideologicamente com tanto fervor.
Em sua simplicidade, Mario se deixa fascinar por essa paixão e Neruda se encanta dessa inocência e, a partir da influência poderosa do famoso poeta, o tímido carteiro já arruma também coragem para declamar a sua própria paixão pela bela Beatrice (Maria Grazia Cucinotta), para subjugar a pequena opressão doméstica promovida por seu pai idoso –que se diz comunista mas não quer dividir nada com ninguém!!! –e até mesmo para almejar uma vida melhor.
Seria bastante obtuso não reconhecer o enorme e significativo peso dramático que o formidável “Cinema Paradiso” exerce sobre este filme: Não somente na presença de Philippe Noiret, mas também na familiaridade de trama que esboça o amadurecimento intelectual e emocional de um personagem através de um mentor de inspiração.
É, sobretudo, a presença de Massimo Troisi quem determina aquilo que este filme é: Massimo, que já sofria do coração durante as filmagens, teria se tornado uma estrela internacional se tivesse ficado vivo para testemunhar o amplo sucesso de seu filme. Sua condição física obrigou o diretor Radford a rever a construção de cenas que havia pré-determinado, dando ao seu trabalho uma orientação mais intimista, obrigando-o a empregar sua criatividade de maneira muito mais austera e equilibrada.
O resultado foi uma obra absolutamente sutil, onde felizmente, a fama e o personagem exuberante de Noiret não se sobressaem –risco que poderia ter corrido –proporcionando, em vez disso, uma narrativa lírica e emocionante.