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terça-feira, 13 de agosto de 2019

O Conto de Zatoichi Continua

Após um primeiro filme notável, a saga do samurai cego prosseguiu numa nova aventura, desta vez dirigida por Kazuo Mori (mesmo diretor de “A  Ameaça Cega”, de 1960, obra que em muito influenciou “Zatoichi”), substituindo o especialista Kenji Misumi. Entretanto, não se percebem maiores diferenças de estilo: Ambos são artesãos cuja técnica absorve com propriedade e competência as características do chambara realizado na época.
Ao conceber este segundo filme, os realizadores, sobretudo, no que tange ao roteiro, criaram um filme que permite duas impressões bem distintas: De um lado temos a trama aparentemente independente deste filme, tornando-o uma história tão individual quanto o primeiro filme o teria sido, mostrando Zatoichi regressando a uma cidade conhecida, e arrumando lá suas encrencas que terminam exigindo dele sua perícia com a espada –e que por ele ser cego, surpreende a muitos.
Por outro lado, porém, o novo filme é pontuado de pequenos detalhes (todos prováveis de passarem despercebidos dos menos atentos) que remetem à elementos da trama do primeiro filme, como a promessa de Zatoichi feita ao samurai que ele derrotou no clímax, ou alguns personagens que reaparecem para tentar novamente confrontá-lo.
A trama que move este filme se inicia realmente quando Zatoichi (ainda Shintaro Katsu), agindo como massagista, atende a um senhor de um clã que, durante a sessão de massagem, se mostra infantil e risonho, acometido de uma espécie de loucura.
O clã não deseja que tal informação acerca de seu senhor se espalhe minando a imagem respeitosa de seus guerreiros e decidem assim eliminar Zatoichi tomando-o por um mero massagista cego comum.
Bastam alguns embates, porém, para o clã perceber que trata-se do mesmo espadachim que tem sido mencionado no clamor popular  a respeito da grande batalha ocorrida um ano antes entre os clãs Iioka e Sasagawa –correspondente aos eventos do primeiro filme.
O filme de Kazuo Mori, no entanto, passeia por várias outras circunstâncias, de maneira que essa trama principal, a espinha dorsal do filme, aparece até bem tarde: O começo, por exemplo, se ocupa de uma série de situações que levam Zatoichi a ser reconhecido por outros jovens guerreiros, levando a um encontro com o samurai sem braço Nagisa (Tomisaburô Wakayama, de “O Lobo Solitário”), permitindo assim a descoberta de maiores informações do passado do herói –uma vez que o primeiro filme foi demasiado econômico nesse aspecto, optando por uma apresentação plena de mistério à exemplo dos protagonistas de faroeste.
Bastante ágil e divertido, e deveras prudente em não cansar o público na escolha de seus enxutos setenta e um minutos de duração, a nova aventura aproveita para corrigir pequenos equívocos de execução da ótima obra anterior e planta deliberados elementos que o tornam uma continuação propriamente dita –detalhes cujo entendimento depende do conhecimento prévio do primeiro filme –numa manobra muito consciente do quão longe os realizadores estavam dispostos a levar a saga de seu protagonista.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Crônicas dos Shinsengumi - Quero Morrer Como Samurai

Em determinados exemplares é possível identificar os códigos que tão bem relacionam os filmes de samurais aos filmes de faroeste. Em ambos os casos, personagens são confrontados, não raro, com seus protocolos de honra postos a prova por circunstâncias selvagens e que culminam em duelos de vida ou morte. Em ambos os gêneros, o ambiente antiquado molda homens que precisam emergir da selvageria para aprender, num ensaio de civilização que representam, separar o joio do trigo.
Em “Crônicas dos Shinsengumi” essa similaridade é de um primor que jamais escapa à habilidade do diretor Kenji Misumi.
Os Shinsengumi são uma guarda de samurais montada pelo xogunato (mostrados também na obra-prima “A Última Espada”) para assegurar sua autonomia nas cidades que integram o feudo. Nesse período antigo em que discussões políticas acaloradas se resolviam na lâmina da espada, a cidade de Kyoto é assolada por conspirações contumazes de imperialistas e separatistas, opositores descontentes com o regime do xogum. Não ajuda em nada o líder local dos Shinsengumi ser um homem imprudente, fútil e arrogante.
A entrada do jovem e idealista Yamazaki (Raizo Ichikawa) para os Shinsengumi coincide com a primeira tentativa bem-sucedida do segundo em comando, o filho de camponês Kondo (Tomisaburo Wakayama, de “Lobo Solitário”) em tomar o poder por baixo dos panos. Entrentanto, tal ato arranha profundamente a admiração de Yamazaki pela honradez rígida dos samurais.
Os transtornos, contudo, não acabaram, os separatistas preparam uma intervenção que consumirá Kyoto nas chamas, e no momento, seu maior aliado por obter sucesso, são as complicações de ordem política que afligem a união dos Shinsengumi.

Neste formidável épico sobre retidão moral e desilusão, o diretor Kenji Misumi (também ele, de “Lobo Solitário”) não se acanha em aprofundar-se nas questões complexas e arbitrárias que enevoam a hierarquia, nem nas emoções conflitantes que dificultam o cumprimento do dever, ao contrário do que fariam nove dentre dez diretores de ‘chambara’. Misumi investiga o investimento emocional e ético de ser um samurai com a mesma ênfase e voltagem que observa o sangue fluir nas batalhas de espada e, desse esforço, consegue extrair um filme poderoso, envolvente e absolutamente bem equilibrado entre uma trama de intrincadas ramificações políticas e um admirável filme de aventura.

domingo, 29 de maio de 2016

Lobo Solitário - Os Demais Filmes

Já devia, faz algum tempo, uma resenha sobre os outros capítulos da saga do Lobo Solitário (o primeiro filme, “A Espada da Vingança” era o único que tinha ganhado uma resenha até então), por isso, resolvi esmiuçá-los todos de uma só vez. Está aí uma série de filmes que vale muito a pena.
“O Andarilho do Rio Anzu”: Realizada no mesmo ano do primeiro filme (1972), a continuação não perde nada em dinamismo ou excelência.
Contratado pelo Clã Awa, Itto Ogami (Tomisaburo Wakayama) tem que matar um agitador, responsável pela revolta de camponeses que está sendo protegido pelo clã rival por razões mesquinhas. Isso o colocará frente à frente aos Irmãos Hidari, três assassinos à serviço do xogunato, apelidados “deuses da morte”. Há ainda um grupo de mulheres guerreiras contratadas pelo vilanesco Lorde Retsudo, lideradas pela mortal e habilidosa Sayaka que, ao longo da narrativa, desenvolve sentimentos conflitantes pelo protagonista.
A sucessão de embates exige demais de Itto Ogami, que fica às portas da morte, contando apenas com o pequeno Daigoro. Outro momento de perigo para o Lobo Solitário é a sequência da travessia do rio Anzu, esse trecho, o incêndio no navio, a cena estranhamente sensual com Sayaka que se segue logo depois e o confronto contra os “deuses da morte” estão entre alguns dos mais memoráveis momentos da série.
“Contra Os Ventos da Morte”: Após os eventos às margens do rio Anzu, o caminho de Itto Ogami cruza-se com o de Kanbei, samurai tornado mercenário, e com o de uma jovem que termina matando o pai abusivo que tinha intenção de vendê-la num arrajo financeiro.
Isso acaba trazendo grandes problemas para Itto que, para protegê-la, tem de tomar seu lugar na árdua e perigosa cerimônia do buri-buri.
Mais tarde, ele recebe a incumbência de eliminar um antigo favorecido do xogum como forma de compensar uma mutilação que realizou, mas para chegar ao seu alvo ele tem de enfrentar uma infinidade de protetores, o quê termina colocando-o, mais uma vez, contra Kanbei.
Neste filme, dirigido com precisão por Kenji Misumi, mais um intrincado roteiro de Kazuo Koike conduz a narrativa e, sendo ele autor do mangá original, a fidelidade ao elogiado material acaba garantida.
“Coração de Pai, Coração de Filho”: Desta vez, o destino de Itto Ogami e Daigoro se cruza com o de uma assassina cujo corpo desnudo é coberto por tatuagens dotadas do poder de desestabilizar os oponentes. Entretanto, ao descobrir sua história, ele percebe que ela foi uma vítima de uma elaborada intriga, como ele.
As conspirações palacianas se intensificam neste filme onde o diretor dos três anteriores, Kenji Misumi, é substituído por Buichi Sato, que impõe um tom mais denso.
É curioso como as cenas de nudez surgem com forte propósito narrativo o que, por si só, já faz da série uma aula de cinema comercial para os americanos, corrompidos pela vulgaridade gratuita dos ‘filmes de explotation’ daquele período.
“Na Terra dos Demônios”: Este quinto capítulo dispensa a cold open (uma cena de abertura que se segue antes mesmo dos créditos iniciais, ou até mesmo do título do filme) fundamental à narrativa dos quatro anteriores. Kenji Misumi volta à direção (como os quatro primeiros filmes foram todos rodados em 1972, ele devia estar atarefado com a pós-produção dos três primeiros, deixando que Buichi Sato realizasse o quarto) e entrega um dos mais notáveis capítulos.
Através de uma série de combates que visam testá-lo, Itto Ogami toma conhecimento da história rocambolesca de uma menina disfarçada de menino a fim de privilegiar a mãe entre os aristocratas de um clã. A farsa pode ser exposta por meio de um documento que chegou às mãos do Clã Yagyu, os grandes inimigos de Itto.
Um senso de fatalidade mais acentuado dá o tom neste penúltimo episódio da série (sobretudo durante o tenso e sangrento combate final, onde nem algumas crianças são poupadas!). Muito interessante o fato de incluírem, neste capítulo, uma trama paralela protagonizada pelo pequeno Daigoro, onde ele procura ajudar uma mulher coagida por um ladrão.
“Pássaro Branco No Inferno”: O Lorde Retsudo e seu traiçoeira Clã Yagyu já quase esgotaram alternativas na tentativa de eliminar Itto Ogami. Resta, contudo, uma filha de Retsudo, a jovem e letal Kaori.
Mas, ela é só o primeiro de vários desafios que Itto Ogami deverá enfrentar: Valendo-se de certa demagogia, Retsudo obtêm a aliança relutante de um filho bastardo criado pela perversa, obscura e brutal sociedade tsuchigumo, que põe ao encalço do Lobo Solitário três guerreiros de propriedades quase imortais.
Embora o novo diretor, Yoshiyuki Kuroda, dê uma atmosfera de urgência à este sexto e último filme, o acerto de contas final entre Itto e Lorde Retsudo não se concretiza, o quê abriria espaço para novos filmes que, até onde sei, nunca foram feitos.
Este encerramento, assim, apresenta, entre outras coisas, uma direção de fotografia diferenciada com magníficas composições em cenas na neve, o que curiosamente o aproxima ainda mais dos elementos da franquia James Bond (vide “007 Na Mira dos Assassinos”) com a qual “Lobo Solitário” parece ter sido comparado desde o início.
Todos os fenomenais capítulos desta série provam que a comparação é digna e merecida.  

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Lobo Solitário - A Espada da Vingança

Eu já conhecia o filme “A Estrada Para A Perdição”, com Tom Hanks, dirigido por Sam Mendes, e adaptado de uma história em quadrinhos, “Road To Perdition”, que contava a história de como, durante a Lei Seca e o auge do gangsterismo norte-americano, um pai de família que trabalha como matador para um "capo", testemunha sua família ser reduzida a um só filho devido a uma traição da máfia, levando assim, pai e filho a pegarem a estrada e cruzarem os EUA fugindo de seus algozes e procurando um meio de se vingar. Sabia, também, que essa HQ era uma versão americanizada de um mangá chamado “Lobo Solitário” substituindo os samurais originais por gangsters. 
O quê eu não sabia (e penso ser este um lapso de minha parte) era que o próprio material original já havia sido adaptado para o cinema, e numa série de seis filmes nos anos 1970, buscando concretizar uma franquia no Oriente nos moldes do que 007 era para o Ocidente. 
E sabe que o resultado é sensacional!? 
O primeiro filme, “Lobo Solitário-A Espada da Vingança” já demonstra bem o aspecto episódico que se manteria em todos os demais filmes: Os produtores não se incomodaram em enxugar toda a trama dos quadrinhos num único longa metragem com começo, meio e fim (como aconteceu no caso de “Estrada Para A Perdição”), ao invés disso, preservaram na versão para a cinema, as muitas subtramas que se sucedem nos quadrinhos de Kazuo Koike e Goseki Kojima, o quê confere a todos os filmes um charme muito particular. O ator Tomisaburo Wakayama em princípio, aparenta certa apatia, mas logo percebe-se que essa é uma espécie de postura samurai, e tem muito a ver com o personagem (e sejamos honestos, os samurais, assim como os personagens dos pistoleiros em filmes de faroeste, mesmo os protagonistas, não são mais do que tipos, ainda que alguns sejam brilhantes). 
Na época do Japão Feudal, Itto Ogami, o habilidoso executor do shogun cai em desgraça quando o vilanesco clã Yagyu trama uma conspiração contra ele. Sua esposa é assassinada, e ele acaba tornando-se um ronin, oferecendo os serviços de sua espada como um mercenário, conhecido por Lobo Solitário, enquanto vaga pelos vilarejos japoneses empurrando o carrinho de neném onde leva seu filho, o pequeno Daigoro. 
Interessante é reparar no personagem do garotinho: é essencialmente através dele, e de seu crescimento ao longo dos filmes que é marcada a passagem de tempo da narrativa. Mais interessante ainda é perceber o quanto certos tabus inerentes ao cinema norte-americano são completamente banalizados pelo cinema comercial japonês, como a nudez, que é relativamente constante e despojada, e sempre tem, aqui, um sentido narrativo. Não é difícil, portanto, entender porque a série cinematográfica do “Lobo Solitário” influenciou Quentin Tarantino, John Carpenter e tantos outros diretores: Não só é um soberbo trabalho de direção, como também possui batalhas e lutas de espada realizadas com tamanho primor, que chega a ser absurdo o fato desses filmes serem tão desconhecidos do grande público.