Falar deste filme é invariavelmente falar do
mal-estar que ele tem o poder de causar.
Sem sombra de dúvidas, um dos mais
perturbadores filmes já realizados (e um dos mais notórios dessa lista infame),
este trabalho é o ápice da contundência artística à qual o italiano Pier Paolo
Passolini se prestou obter ao longo da carreira.
Quem conhece seus filmes sabe que nenhum deles
é muito fácil: Eles vão desde a crueza absoluta e sórdida com a qual registra a
Idade Média em sua "trilogia da vida" ("Decamerron",
"Os Contos de Canterburry" e "As Mil e Uma Noites"), até a
postura a um só tempo surreal e moralmente degradante que ele utiliza para
questionar a burguesia no incômodo "Teorema".
"Saló" é seu último trabalho. Ele foi
assassinado, aos 71 anos de idade, pouco tempo depois de ter encerrado as
filmagens, o quê ajudou a consolidar ainda mais a aura lendária em torno desse
trabalho.
A Segunda Guerra Mundial está por se acabar.
Conscientes, inclusive, de sua derrota, quatro poderosos membros fascistas da
cidade de Saló se refugiam numa ilha, junto de alguns soldados armados e mais
uma porção de jovens, moças e rapazes, selecionados em meio à passiva
população.
Segue-se uma série de torturas sexuais,
humilhações e deflorações, onde os fascistas abusam de seu poder sobre os
corpos à sua disposição. Ao fim, todas as vítimas terminam executadas através
de torturas físicas que são um inacreditável acréscimo à crueldade e à
obscenidade até então mostrados.
É impossível definir "Saló" pelos
termos 'bom' ou 'ruim' com os quais normalmente se avaliaria um filme comum. O
objetivo de Passolini parece ser realmente o choque e a repugnância do
expectador (algo que nos remete à Lars Von Trier, o cineasta de hoje que talvez
mais se aproxima dessa mesma proposta), e o fato deste filme permanecer
impregnado na memória por muito tempo depois que o assistimos indica que
provavelmente é um objetivo que parece ter sido atingido.
Tanto é que, embora as cenas de sexo e de nudez
sejam praticamente onipresentes em cena, elas são completamente destituídas de
qualquer teor erótico; são até mesmo gélidas e formais. Para tanto, seus
enquadramentos de câmera lembram diretamente os trabalhos de Stanley Kubrick,
no distanciamento emocional que parecem sugerir.
O quê não impede esta de
ser uma das mais atrozes experiências do cinema.
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