quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Saló - Os 120 Dias de Sodoma

Falar deste filme é invariavelmente falar do mal-estar que ele tem o poder de causar.
Sem sombra de dúvidas, um dos mais perturbadores filmes já realizados (e um dos mais notórios dessa lista infame), este trabalho é o ápice da contundência artística à qual o italiano Pier Paolo Passolini se prestou obter ao longo da carreira.
Quem conhece seus filmes sabe que nenhum deles é muito fácil: Eles vão desde a crueza absoluta e sórdida com a qual registra a Idade Média em sua "trilogia da vida" ("Decamerron", "Os Contos de Canterburry" e "As Mil e Uma Noites"), até a postura a um só tempo surreal e moralmente degradante que ele utiliza para questionar a burguesia no incômodo "Teorema".
"Saló" é seu último trabalho. Ele foi assassinado, aos 71 anos de idade, pouco tempo depois de ter encerrado as filmagens, o quê ajudou a consolidar ainda mais a aura lendária em torno desse trabalho.
A Segunda Guerra Mundial está por se acabar. Conscientes, inclusive, de sua derrota, quatro poderosos membros fascistas da cidade de Saló se refugiam numa ilha, junto de alguns soldados armados e mais uma porção de jovens, moças e rapazes, selecionados em meio à passiva população.
Segue-se uma série de torturas sexuais, humilhações e deflorações, onde os fascistas abusam de seu poder sobre os corpos à sua disposição. Ao fim, todas as vítimas terminam executadas através de torturas físicas que são um inacreditável acréscimo à crueldade e à obscenidade até então mostrados.
É impossível definir "Saló" pelos termos 'bom' ou 'ruim' com os quais normalmente se avaliaria um filme comum. O objetivo de Passolini parece ser realmente o choque e a repugnância do expectador (algo que nos remete à Lars Von Trier, o cineasta de hoje que talvez mais se aproxima dessa mesma proposta), e o fato deste filme permanecer impregnado na memória por muito tempo depois que o assistimos indica que provavelmente é um objetivo que parece ter sido atingido.
Tanto é que, embora as cenas de sexo e de nudez sejam praticamente onipresentes em cena, elas são completamente destituídas de qualquer teor erótico; são até mesmo gélidas e formais. Para tanto, seus enquadramentos de câmera lembram diretamente os trabalhos de Stanley Kubrick, no distanciamento emocional que parecem sugerir.
O quê não impede esta de ser uma das mais atrozes experiências do cinema.

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