domingo, 8 de novembro de 2015

A Insustentável Leveza do Ser

Eu não li Milan Kundera. 
Não sei, portando, até onde vai a fidelidade literária do diretor Phillip Kaufman à fonte, nem se existem redundâncias ou mudanças. Só sei que “A Insustentável Leveza do Ser” é primoroso, uma sucessão de cenas magníficas que, em princípio, descortinam a agitada vida sexual de Christian, um jovem médico que atrai mulheres, na Praga dos anos 1960, com relativa facilidade (entre suas amantes, uma se destaca, a artista plástica Sabine), depois esse mesmo arrojo coloca em foco as transformações políticas vividas na República Tcheca, já arremessadas na tela com a tenebrosa invasão de tanques à capital, transcorrida na calada da noite. 
O sexo, de uma certa maneira, jamais deixa de fazer parte da narrativa, porém isso nunca a vulgariza. O ardente triângulo amoroso composto por Christian, Sabina e uma jovem quase adolescente que ele conheceu numa viagem ao interior (uma surpreendentemente jovem Juliette Binoche, acho que só a vi tão jovem em “Os Amantes da Pont-Neuf”), e da qual não mais pôde se livrar se arrasta por muitos anos, com o pano de fundo das mudanças ideológicas interferindo em trajetórias que se acreditavam apolíticas. 
Até lá, diversos elementos irão fascinar o expectador. O talento (à época quase um iniciante) de Daniel Day-Lewis, a nudez despojada e inebriante de Lena Olin, e o olhar flagrante e incomum do diretor Phillip Kaufman, e sua composição desigual de cenas. Muito da singularidade que este filme consegue ostentar vem, provavelmente, da natureza alegórica inerente ao seu roteirista, Jean Claude Carriére, que colaborou durante muito tempo com Luis Buñuel, e dele certamente aprendeu certas idiossincrasias narrativas. 
Prova disso, é que Kaufman, nem antes, nem depois, conseguiu obter resultado parecido: anos antes desta obra ele tinha feito o notável e brilhante “Os Eleitos-Onde O Futuro Começa”, mas tal é a diferença de estilo, proposta, abordagem e intenção que esse parece ser um filme dirigido por alguém completamente diferente. Depois, ele até tentou repetir algo quase parecido com “Insustentável...” ao dirigir o igualmente erotizado (e europeizado) “Henry & June”. Mas, também este era um filme no qual ele não foi capaz de reencontrar aquela verve que ele demonstrou aqui. 
Dizer que “A Insustentável Leveza do Ser” é o melhor filme de sua carreira é até redundante diante dessa constatação.

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