domingo, 8 de novembro de 2015

Apocalypse Now

As selvas cambojanas ilustram bem o caráter pernicioso na alegoria de Coppola: Elas têm poder de contaminar a própria psiquê humana, e nela encontrar a corrosiva neurose que tanto parece lhe interessar. 
O diretor de “O Poderoso Chefão” foi buscar em Joseph Conrad, e seu “Hearts Of Darkness” a idéia para seu filme sobre a Guerra do Vietnam, e deixou refletidos e registrados na tela todos os percalços de dificuldades sobrehumanas que enfrentou para tornar seu delírio real: e tudo, absolutamente tudo, em “Apocalypse Now” é um delírio. Da acachapante técnica cinematográfica que seu diretor emprega para compor cenas de incontornável força (como o início irônico e carregado de significado ao som de The End, do The Doors), à detalhes subliminares que ganharão força conforme o filme for visto e revisto (os camarões estranhamente relacionados  à voz espectral de Marlon Brando que ecoa de um gravador durante a tensa cena do jantar; o sangue que escorre da mão de Martin Sheen em sua primeira aparição; as cartas de baralho do capitão surtado de Robert Duvall). 
Se há um filme no cinema que materializa a loucura e suas mais circunspectas implicações, é este daqui. E parece ser de uma exatidão inquestionável a forma com que Coppola relaciona a guerra (não apenas a do Vietnam, mas todas as guerras) à loucura. E tão poderosa é essa alegoria que ela remete a cenas de um pesadelo subconsciente, com ecos de um Inferno de Dante se fazendo ouvir em diversos e inacreditáveis momentos. Enumerar as seqüências mais memoráveis é um trabalho complicado e repleto de armadilhas (eles se sucedem tantos, um a um, que é preciso tomar cuidado para não acabar enumerando todas as cenas do filme): O ataque de helicópteros ao som da “Cavalgada das Valquírias”; a aparição inesperada de um trigre; o show das coelhinhas da Playboy; a cena aterradora de Martin Sheen emergindo do rio. 
Talvez, o momento primordial seja mesmo a aparição de Marlon Brando, onde o círculo se completa, com a revelação de uma loucura essencial e pura, partindo de um princípio próprio e pessoal de mundo, e não pautado pela guerra, como tudo que vínhamos vendo até então. Como tudo o mais, ele está errado. Mas é, por sua pequena noção de revolução, que ele será punido, e não por qualquer atrocidade que por ventura tenha praticado; isso o filme já vinha mostrando aos borbotões. 
Na visão a um só tempo cru e surreal de Francis Ford Coppola, a insanidade, a guerra e o genocídio são ecos indeléveis (e mesmo assim poéticos) de um mal que marca a existência perene da raça humana: Aquele que jaz em seus próprios corações.

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