A obstinação, a persistência, esses são fatores
que assombram a filmografia de Willian Friedkin. Talvez, o grande assombro, da
parte desse notável artista, seja o potencial incontornável que essas
características possuem para transformarem-se em obsessões.
Popeye Doyle, o tira de “Operação França” é um
belo exemplo disso. Mas não é de “Operação França” que quero falar. Não agora.
Lançado em 1977, e vítima de um furacão sem
precedentes chamado “Star Wars”, o filme “O Comboio do Medo” não beneficiou-se
do renome de seu diretor (que anos antes surpreendeu o mundo com “O
Exorcista”), nem com a presença do mesmo astro de “Tubarão”, lançado no ano
anterior (Roy Scheider), e muito menos do fato de ser adaptado do mesmo livro
que originou o prestigiado “O Salário do Medo”.
Nada disso importou, pois o público em peso só
queria saber das aventuras de Luke Skywalker. Com o tempo, “O Comboio do Medo”
foi meio que esquecido e, como costuma acontecer aos filmes genuinamente
brilhantes mas que são negligenciados por público e crítica à época de seu
lançamento, ele começou a adquirir um insuspeito status cult durante a
década de 1980.
Numa direção objetiva e sem concessões, como
lhe era de praxe, Friedkin introduz quatro personagens absolutamente distintos,
mas similares numa única coisa: Todos tiveram, em algum momento, suas vidas
devastadas por um acontecimento desafortunado, o quê os levou à refugiarem-se
nos cafundós de um vilarejo na América do Sul. O matador de aluguel cujo
excesso de mortes no currículo terminou tornando-o um fugitivo; O jovem do
Oriente Médio, envolvido quase por tradição, num frustrado atentado terrorista,
e que agora deve fugir para longe, a fim de não ter o mesmo fim de todos os
sues familiares; O estelionatário francês obrigado, por um golpe de extrema má
sorte, a desaparecer, inclusive da própria esposa; O criminoso sobrevivente de
um acidente onde não só seus comparsas morreram todos, mas também foram
perdidos os preciosos dólares roubados de um mafioso que não o deixará dormir
em paz.
Quando todos eles, ao lado
de muitos outros, se vêem num ermo infernal sulamericano do qual anseiam por
escapar (e registrado com profunda afetação pelo olhar xenófobo de Friedkin)
surge uma proposta quase suicida de trabalho: conduzir dos caminhões, carregado
de uma carga das mais instáveis de dinamite pela selva adentro, até chegar numa
área de extração de petróleo onde serão necessárias. O trajeto é insano;
barrancos com declives inacreditáveis, trilhas na mata cerrada que impediriam
uma bicicleta, que o diga dois caminhões pesados, e em particular, uma ponte de
cordas, cujas tábuas mal preenchem a superfície a ser percorrida. Tudo isso é mostrado
pelo empenhado diretor Friedkin sem as eventuais máscaras cinematográficas: A
jornada desesperadora desses quatro homens é mostrada na unha e na carne,
deixando claro que seu diretor submeteu os atores (e certamente a equipe
técnica) aos mesmos apuros dos personagens, num calvário muito parecido com as
sucessivas e inacreditáveis passagens de “Fitzcarraldo”, que Werner Herzog
empreendeu por florestas de inospitalidade muito parecida.
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