quarta-feira, 23 de março de 2016

Comboio do Medo

A obstinação, a persistência, esses são fatores que assombram a filmografia de Willian Friedkin. Talvez, o grande assombro, da parte desse notável artista, seja o potencial incontornável que essas características possuem para transformarem-se em obsessões.
Popeye Doyle, o tira de “Operação França” é um belo exemplo disso. Mas não é de “Operação França” que quero falar. Não agora.
Lançado em 1977, e vítima de um furacão sem precedentes chamado “Star Wars”, o filme “O Comboio do Medo” não beneficiou-se do renome de seu diretor (que anos antes surpreendeu o mundo com “O Exorcista”), nem com a presença do mesmo astro de “Tubarão”, lançado no ano anterior (Roy Scheider), e muito menos do fato de ser adaptado do mesmo livro que originou o prestigiado “O Salário do Medo”.
Nada disso importou, pois o público em peso só queria saber das aventuras de Luke Skywalker. Com o tempo, “O Comboio do Medo” foi meio que esquecido e, como costuma acontecer aos filmes genuinamente brilhantes mas que são negligenciados por público e crítica à época de seu lançamento, ele começou a adquirir um insuspeito status cult durante  a década de 1980.
Numa direção objetiva e sem concessões, como lhe era de praxe, Friedkin introduz quatro personagens absolutamente distintos, mas similares numa única coisa: Todos tiveram, em algum momento, suas vidas devastadas por um acontecimento desafortunado, o quê os levou à refugiarem-se nos cafundós de um vilarejo na América do Sul. O matador de aluguel cujo excesso de mortes no currículo terminou tornando-o um fugitivo; O jovem do Oriente Médio, envolvido quase por tradição, num frustrado atentado terrorista, e que agora deve fugir para longe, a fim de não ter o mesmo fim de todos os sues familiares; O estelionatário francês obrigado, por um golpe de extrema má sorte, a desaparecer, inclusive da própria esposa; O criminoso sobrevivente de um acidente onde não só seus comparsas morreram todos, mas também foram perdidos os preciosos dólares roubados de um mafioso que não o deixará dormir em paz.
Quando todos eles, ao lado de muitos outros, se vêem num ermo infernal sulamericano do qual anseiam por escapar (e registrado com profunda afetação pelo olhar xenófobo de Friedkin) surge uma proposta quase suicida de trabalho: conduzir dos caminhões, carregado de uma carga das mais instáveis de dinamite pela selva adentro, até chegar numa área de extração de petróleo onde serão necessárias. O trajeto é insano; barrancos com declives inacreditáveis, trilhas na mata cerrada que impediriam uma bicicleta, que o diga dois caminhões pesados, e em particular, uma ponte de cordas, cujas tábuas mal preenchem a superfície a ser percorrida. Tudo isso é mostrado pelo empenhado diretor Friedkin sem as eventuais máscaras cinematográficas: A jornada desesperadora desses quatro homens é mostrada na unha e na carne, deixando claro que seu diretor submeteu os atores (e certamente a equipe técnica) aos mesmos apuros dos personagens, num calvário muito parecido com as sucessivas e inacreditáveis passagens de “Fitzcarraldo”, que Werner Herzog empreendeu por florestas de inospitalidade muito parecida.

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